Prólogo

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Eu observava minha imagem no espelho enquanto escutava os pássaros cantando na janela.

Minha mãe penteava levemente meus cabelos molhados, com sua escova velha de madeira. Eu só conseguia manter meus olhos em nós duas, em nosso reflexo no espelho que estava de frente.

Ela se parecia pouco comigo. Mas era muito mais bonita que eu. Seus cabelos castanhos e olhos claros, maçãs rosadas e pele extremamente pálida. Próprias de um vampiro.

_Ótimo.- mamãe interrompeu o gesto com a escova. A guardou na gaveta, enquanto eu ainda me mantinha intacta, me observando no espelho.

_Quando eu crescer... Será que vou ser bonita assim como você é?- indaguei, tirando meus olhos pela primeira vez do reflexo e a olhando de canto encostada na penteadeira.

Mamãe sorriu docemente, como se achasse aquilo algo divertido, vindo de uma garotinha de somente dez anos e meio. Hesitou um pouco, mas logo se abaixou sobre mim e acariciou minha bochecha.

_Não - ela fez um gesto leve, virando minha cabeça novamente para o espelho, para que eu pudesse ver algo que ela via com muita facilidade. - Você será mil vezes mais linda. Só de olhar ali - apontou para meu reflexo-, já consigo ver.

Encarei- me ali. Com certeza isso não poderia ser verdade. Olhei para a figura dela e depois para a minha. Ela era com certeza muito mais bela...

_Você só diz isso para me agradar...- desviei o olhar para minha saia florida.

_Querida, você só tem dez anos... Quando somos novas assim, é difícil enxergar. Agora, quando você for mais velha, verá com mais facilidade.

_Promete, mamãe?- a fitei com o olhar perdido. Ela, sorriu novamente, como se achasse graça e afirmou com a cabeça.

_Eu prometo, meu amor.- ela beijou minha testa e acariciou meus cabelos molhados.

Parecia que o mundo parava de rodar quando eu passava esses tempos com mamãe. Quando ela penteava meus cabelos depois de todo o banho. Quando saíamos para colher frutos em nossa casa no meio da floresta. Quando ríamos juntas das histórias que só ela sabia contar sobre seu passado...
Ela era muito nova, então era fácil ter uma boa relação com ela. Ela era minha melhor amiga.

Mas... Tudo aconteceu tão rápido.

_Sarah! Eles estão aqui! - meu pai gritou alto do andar de baixo.

Mamãe se afastou rapidamente de mim. Eu somente a observei. Quem tinha chegado?

Cheguei a considerar que poderia ser meus tios.  Eles sempre jantavam em casa terça a noite. Mas... não era terça. E não estava de noite.

Ouvi um barulho alto vindo do andar de baixo. Parecia um estrondo na porta. Quem estava lá embaixo?

Minha mãe tinha um olhar desesperado. Nunca a tinha visto assim... Ou talvez, ela só era muito serena perto de mim. E escondia suas preocupações.

_Onde ela está? - uma voz grossa ecoou pelos cantos da casa.

Minha mãe pegou seu celular e digitou algo rápido. O jogou de volta na cômoda e se aproximou de mim.

_Elizabeth, está na hora, querida. Lembra daquilo que conversamos?- mamãe tinha seus olhos cheios de lágrimas e contornava seus dedos pela minha bochecha.

Eu, então, compreendi sobre o que ela falava. Um arrepio me dominou e meu coração batia com força. As lágrimas de medo não demoraram para vir também.

_Precisa ser forte, Liz.

_Mamãe... Eu não quero te deixar. - meu choro aumentou e ela colocou as mãos em meus lábios, fazendo "shhh".

_Nunca vamos nos separar, meu amor.- ouvi um barulho forte no andar de baixo da casa, como se fosse um tiro.

Eu poderia ter somente dez anos, mas meus pais me treinaram bem para reconhecer um barulho de bala disparando. Meu coração quase saiu pela boca.

Papai...

Mamãe me abraçou com força para que eu segurasse o grito de temor.

_Tome. Leve isto com você. - ela tirou um colar que usava em seu pescoço, desde sempre.

Colocou no meu pescoço. E o beijou.

Era o amuleto que lhe dava segurança. Era uma pedra azul, que sempre ficava forte quando vinha uma lua cheia.

_Está na hora, Liz. - mamãe se levantou, me puxando para a janela de meu quarto. Me entregou uma bolsa com algumas roupas minhas dentro, que tinha feito enquanto corria pelo quarto. - Vá para a casa da Tia Alisson. Não saia de lá e não conte nada a ninguém nunca, a não ser para ela. Tá bem?

_Onde ela está? Responda! - a voz no andar de baixo grtou novanente, ouve outro tiro. E meu corpo tremeu  de susto.

_Tá bem. - meu choro aumentou, mas eu tentava segurar com toda a força do mundo.

_Eu te amo. E sempre vou te amar... Minha menininha.

Ela me abraçou forte, e senti minhas costas molhadas, provavelmente por conta de suas lágrimas.

Ela nunca chorava perto de mim. Nunca a tinha visto chorar.

_Eu te amo, mamãe.

Nos afastamos e ela me levou até o batente da janela. A olhei com medo, mas ela me lançou um olhar piedoso, como se tentasse dar uma ordem, mas mesmo assim, se esforçava para não desabar de dor pela cena de despedida e pelos tiros vindos do andar de baixo da casa.

_Vá. Em breve nos veremos de novo, eu prometo.

Ela beijou minha testa e em seguida eu me virei e pulei da janela. Sem raciocinar direito, perdida em meio ao mar de lágrimas nos meus olhos, só fiz o que me fora pedido para ser feito.

O que me lembro do resto daquela tarde, era do meu desespero em correr logo para a casa da Tia Alisson. Escutei barulhos futuros de tiros vindos da casa. E aquilo só fez meu choro aumentar. Mas, o desespero não me fazia parar.

Eu queria cumprir a ordem de mamãe e o amor grande pela minha segurança que papai e ela tinham.

Eu não queria desapontá-los. Eu estava desesperada e com medo, como uma verdadeira criança que eu era.

O resto daquela tarde foi como um apagão para mim. Eu quis esquecer, e o fato de eu não entender o que estava acontecendo, me fez apagar ainda mais tudo aquilo.

Eu estava com medo. De tudo.

A Garota de Dois MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora