Seus olhos caminhavam pelas linhas finas e detalhadas do livro imenso em suas mãos frias, sua mente focada em cada palavra, as devorando como uma criança devora um doce suculento e vermelho. Seus cílios escuros batiam levemente a cada piscar de olhos que era minimamente e inconscientemente rápidos para que ela não perdesse um mísero milésimo sequer do que as palavras ditavam para si.
Seus cabelos longos e castanhos, quase pretos, caíam em volta de seus braços e algumas mechas ousadas sobre seu rosto, concentrado. Vez ou outra ela corria seus dedos por eles os colocando fora do alcance de seus olhos, mas eles eram lisos como pedras em cachoeira, livres como o vento.
Sua mania de morder os lábios sempre que estava concentrada estava ali, os deixando ainda mais vermelhos do que eram naturalmente. Sua pele clara que pendia para o amarelo parecia mesclar perfeitamente com a blusa colorida em vários tons dos super-heróis que a estampavam. Inclusive, ela havia se arrependido de não ter jogado um de seus blusões de lã por cima, ela estava arrepiada pelo vento chato que soprava contra ela.
Ela ainda não acreditava que sua colega de quarto havia arrastado ela para a famosa festa dos residentes, que acontecia uma vez por ano em um famoso bar de San Jose. A festa contava com residentes de todos os hospitais da cidade e inclusive de alguns fora dela. Muitos ali iriam iniciar sua residência na segunda-feira seguinte, que era o caso dela. Ela estava tão arrependida por não estar devidamente estudando para estar mais que pronta quando necessário. Mas, ela não poderia deixar sua amiga ali, Amelia era louca o suficiente para se perder na cidade e depois ligar desesperadamente pedindo por socorro no meio da madrugada.
- É... Oi? – Ela ouviu uma voz masculina e apenas respirou fundo, sem tirar os olhos de seu livro. Apesar de que a voz era bonita e suave com um hálito agridoce de maracujá com chocolate, quase despertou sua curiosidade. Quase.
- Você perdeu a aposta? – Ela perguntou, seus olhos ainda caminhando pelas linhas do livro.
- O que? – O dono da voz se aproximou um pouco mais para ouvi-la. A respiração quente dele batendo nos fios de seus cabelos com a aproximação.
- Eu ouvi vocês apostando. Quem perdesse sei lá o que... Teria que beijar a nerd estranha com pijama infantil sentada sozinha. Então, você perdeu? – Ela não tinha interesse em olhar para a figura patética que estaria em sua frente. O livro sobre imprevistos raros em cirurgias era mais chamativo.
O homem sorriu, de repente não entendendo o carinho que a voz macia dela fazia em seus ouvidos. Era suave e morna. De repente também, ele sentiu suas mãos coçarem, querendo colocar aquelas mechas rebeldes de seus fios de cabelos brilhantes atrás de sua orelha. Eles propositalmente pareciam querer esconder o rosto dela.
- Sim. Eu perdi. – Ele respondeu e ela finalmente levantou o rosto para vê-lo. O sorriso que brincava no rosto dele desapareceu. Ele se concentrou em cada detalhe do rosto dela e se fascinou por seus olhos levemente puxados, duas bolas castanhas e limpas por trás da lente dos óculos o olhavam com curiosidade também, mas recuaram quando o contato demorou segundos longos demais – Me... Me desculpa. – Ele gaguejou, se praguejando por ter se perdido nos olhos dela. Certamente ele parecia um tolo – Eu posso saber seu nome?
Ela o olhou novamente.
- Faz parte da aposta?
Ele respirou fundo. Ela era rápida.
- Não. Eu só quero saber seu nome antes de pedir para te beijar. – Ele falou de uma vez e ela arqueou as sobrancelhas, sorrindo com desdém em seguida, balançando a cabeça negativamente enquanto voltava a olhar para ele – Não só pela aposta. Acho que eu até me esforcei para perder.
Ela revirou os olhos e sorriu sem olhar para ele. É óbvio que um homem igual a ele carregava muitas mulheres na lábia e em seu rosto bonito e provocante.
- Pelo que eu ouvi você xingou em dois idiomas diferentes quando seus amigos te empurraram até aqui. Parecia bem zangado em ter perdido sua aposta. – Ela falou propositalmente em voz baixa, era engraçado a forma como ele se concentrava nela para ouvi-la.
- Céus, você ouve tudo? – Ele perguntou perplexo. A mente dela era ágil. Certeira. Ele já havia deduzido isso facilmente.
- Tudo.
Ele se sentou ao lado dela, assistindo seu corpo tencionar e sua respiração se tornar lenta. O espaço era pequeno.
- Você é linda, Audrey Lim. Ouve isso agora? – Ele falou baixo, lendo o nome dela no marca páginas velho e amarelado que provavelmente carregava um simbolismo importante.
Ela o olhou, os olhos dele eram no mesmo tom que os dela, carregavam a mesma curiosidade enquanto estudava seu rosto minuciosamente como um astrônomo estudava as estrelas.
- Se eu te beijar você me deixa em paz? Realmente um beijo não importa para mim e não me incomodaria. Você aqui, invadindo meu espaço, incomoda. – Ela respondeu friamente, o vendo piscar algumas vezes e abrir a boca bonita em busca de palavras. Ela quis rir, mas manteve sua expressão séria no rosto sem recuar dessa vez.
- Eu acho que não quero te beijar. – Ele falou sério. Seria um desperdício tê-la por apenas alguns segundos, apesar de que seu corpo inteiro já implorava desesperadamente por ela.
Ela assentiu, engolindo em seco. Um homem como ele nunca te beijaria, Audrey. A mente dela zombou de si mesma e ela voltou seus olhos para o livro, as palavras se perdiam uma na outra agora.
- Prefiro continuar ao seu lado. Invadindo seu espaço. – Ele falou puxando um dos livros dela para ler, ela ficou parada o olhando, um sorriso querendo dançar em seu rosto.
- Qual seu nome, invasor?
- Neil Melendez... Futuro residente do hospital St. Bonaventure. – Ele falou fingindo estar concentrado no livro – Seremos colegas de residência, nerd.
Ela sorriu voltando a olhar para o seu livro.
- Isso sim é o castigo de uma aposta perdida. – Ela murmurou voltando a se concentrar, os dois com um sorriso idiota no rosto, seriam longos anos de apostas.
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Aposta
RomanceTudo começa com aposta. Tudo termina em aposta. É como diz o ditado... Sorte no jogo, azar no amor. Ou vice-versa? 🖤