Querido homem de cabelos castanhos encaracolados.
Você parece ser mais velho, não é? Quantos anos deve ter?
Ah, tanto tempo que nos encontramos. E eu nunca perguntei a sua idade. Quanta indelicadeza a minha. Nem mesmo seu nome eu sei! Eu sou um péssimo amigo.
Perdoe-me pela minha falta de educação. Você sempre ouviu tanto de mim, e nunca falou nada sobre você...
Gostaria que essa carta chegasse até você, mas já aceitei o fato de que você nunca vai sair de meus sonhos. Por mais que eu procure tanto, eu nunca te encontro! Dizem que só sonhamos com quem já vimos, mas eu não lembro de ter te visto alguma vez...
Sabe, moço de cabelos encaracolados, você tem um sorriso tão doce. Seus olhos brilham tanto, parecem estrelas — ah, que clichê!
Quer um clichê ainda maior? Acho que me apaixonei por você... Quanta idiotisse. Você é apenas uma criação da minha cabeça, você mora nos meus sonhos. Eu nem mesmo tenho controle deles! Olhe onde eu fui me meter.
Mas é impossível não se apaixonar por você. Você é tão carismático, tão protetor... Sempre que eu desabafo sobre meu dia, você me olha e presta atenção em cada palavra que digo, como se eu fosse a coisa mais interessante do mundo!
Eu devo ser tão sozinho que minha cabeça resolveu me presentear com sonhos doces em que você me faz a companhia que eu nunca tive enquanto acordado.
Mas a vida real não me importa. Desde que você chegou, nada mais importou. Tudo que eu faço é automático, apenas esperando ansiosamente pela noite, pra poder lhe encontrar nos meus sonhos.
É lindo. É confortante. É... tudo que eu precisava. É um motivo pra continuar vivendo.
Comecei a fazer aulas de desenho, um tempo atrás. Meus pais ficaram loucos, onde já se viu? Um garoto fazendo aulas de desenho? Isso é coisa de "vagabundo".
Mas eu fiz pensando em você. Eu precisava aprender logo a desenhar, pra poder te representar de alguma forma. Pra poder ver seu rosto durante o dia, e lembrar de todos os sorrisos acolhedores que você me deu. Eu tive aulas de desenho só por você. Quando me perguntavam qual a minha maior motivação, eu dizia que era o amor...
E eu fiz um desenho seu. Carrego ele para todo lado. Não é nem um porcento de toda sua beleza, mas me lembra você, então está de bom tamanho. Sempre que me sinto sozinho — o que é constantemente — olho para esse desenho de seu rosto.
Eu me sinto em casa.
A anos atrás, meu pai traiu minha mãe, e as brigas aqui em casa pioraram bastante... Ele começou a bater nela. Na minha frente mesmo, sem preocupação. Ele nem estava bêbado ou sob efeito de algo, era a pura raiva que ele guardou durante todos os anos de casamento desgastado.
Ele tentava avançar na minha irmã. Queria bater nela também. Eu tentava protegê-la, então ele mudava o foco... E eu era o alvo. Mas tudo bem.
Com o tempo, isso virou costume lá em casa. Minha mãe havia ido embora, nos deixando com ele, e eu virei o protetor de minha irmã. Ela era tão pequena, e eu tão novo, não sabia direito o que fazer... Até que descobrimos uma solução.
Durante todo o momento que ele estava em casa, eu e minha irmã nos escondiamos no meu quarto. Ele tinha a chave, então quando precisava da gente, simplesmente entrava. E pra nos proteger, fingiamos que estavamos dormindo, e ele desistia.
Foi assim que comecei a te encontrar. Você, em um desses dias, apareceu pra mim, e me deixou chorar em seu colo por todo o momento. Eu nem te conhecia, mas me sentia tão bem com você...
E os anos de passaram. E você nunca me deixou.
Certo dia você me perguntou se eu acredito em outras vidas depois ou antes dessa. Eu nunca pensei nisso, até você me perguntar. Depois, passamos a conversar constantemente sobre isso.
Você me disse uma vez que tinha lembranças. Eu ri, porque aquela altura sabia que você era apenas fruto da minha mente, então como podia ter lembranças? As lembranças dele eram as minhas, se pensar bem. Mas você me contou como eram, e eu fiquei encantado.
Disse-me que, em suas lembranças, éramos muito amigos. Que nos encontramos ao acaso, por pura sorte, e então passamos a viver juntos. Que tínhamos virado uma família. Eu nunca entendia, porque segundo você, suas lembranças eram confusas pra si também.
Então chegamos a conclusão: aquilo era em alguma outra vida. A vida em que nos conhecemos, a vida em que vivemos juntos. Eu senti tanta inveja de uma outra vida... porque nela eu tinha você. E nessa, não.
Você sempre foi tão longe, mesmo estando do meu lado.
Ontem, minha irmã fez dezoito anos, e assim como eu, saiu de casa. Está morando com uma amiga... E finalmente parece feliz de ter se livrado de nosso pai, que está morrendo em qualquer beco sujo muito longe daqui.
Ela não precisa mais de minha proteção. Isso me alivia muito, sabe?
Nada mais me prende aqui.
Moço, eu espero te encontrar na próxima vida, e que nela seja exatamente como nas suas lembranças. Porque nessa, eu não aguento mais não te ter.
Se essa carta chegar até você, de alguma forma, saiba que estarei te esperando.
Ontem, antes de eu acordar, você me disse exatamente essas palavras, "sempre me encontre". Estou torcendo para que seja você quem me encontre na próxima vida, porque sei que você sempre se lembra de mim. Se por alguma brincadeira do universo eu não me lembrar de ti, que você me encontre.
E caso não haja mais nenhuma vida, tudo bem. Pelo menos agora viverei em um eterno sonho ao seu lado...
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sleep-dream • felix
Fanfiction[ONESHORT] Felix deixou uma carta, onde o destinatário era o homem de seus sonhos, antes de dormir.