Os Coqueiros

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Os relatos que aqui serão descritos podem ou não serem reais, entretanto, até a última coisa que para mim são sagradas, poderei jurar de pé junto a ti que as vi. Em uma noite clareada pela lua que ia cheia por detrás das nuvens, senti uma estranha movimentação ao meu redor. Ao me virar, pude ver de relance o que parecia ser uma criatura preta entre os barrancos por onde outrora varria o rio, antes da seca. Ela emitia um grunhido longo e doloroso, como se estivesse preso em alguma trepadeira, ou mesmo algum predador o tenha agarrado. Como vinha da casa de padrinho Zezé e passava das dez da noite, preferi por continuar em meu caminho. Foi inevitável para mim não lembrar do que mãe dizia: que não era prudente atravessar os coqueiros em dias que a lua erguia-se acima das cruzes enterradas nos morros. Eram comuns os relatos de coisas perversas que vagavam por aquela região. Mais tarde da noite, entre os momentos em que armei minha rede e os que com muito esforço adormeci, relembrei da estranha criatura que avistei. Inicialmente pensei ser um porco. Entretanto, na região em que moro, há apenas cinco famílias, dessas, apenas três criam porcos. E, por ser muito amigo destes, posso garantir que não possuem porcos pretos em suas criações. Esse foi o primeiro dia dentre aqueles que me fariam duvidar de minha própria sanidade.

As dezesseis e meia do segundo dia, quando o sol já ia desaparecendo ao fundo dos pés secos de imbu e juazeiro, fui ao local novamente. Mas não sem antes apanhar um pedaço de pau do velho cercado para caso a criatura ainda estivesse lá, pudesse cutuca-la. Um esforço que me causara ferpas nos dedos em vão, já que, apesar de constatar que ao menos uma de minhas teorias estavam corretas, havendo de fato trepadeiras rasgadas por todos os lados, não havia sinais menores que fossem da criatura. Nem tais circunstâncias foram suficientes para saciar minha curiosidade. Dediquei um bocado de tempo caçando por onde tal criatura poderia ter andado. Eram quase dezoito horas, estando prestes a retornar, ouvi, detrás de alguns arbustos secos e densos, barulhos de galhos secos se quebrando. Temi por um momento ser alguma onça, mas logo descartei tal hipótese, uma vez que não havia mais água nem comida no raio de um quilômetro. Foi aí que me surgiu a ideia de ser a misteriosa criatura, decidi seguir o barulho até o topo do morro e, quando o alcancei, não pude conter meu sentimento de decepção. Mas tão rápido quanto subi o morro, esse sentimento se transformou em curiosidade. Apesar de não haver criatura alguma, vi duas ou três algemas, usadas na época dos escravos. Não somente isso me chamara a atenção, mas também pegadas, uma ou duas, de criança e logo atrás de cão!

No terceiro dia, não era apenas na hora de me deitar que ficava remoendo, passei a pensar sobre esses assuntos o tempo todo. Tive a ideia de chamar todos nas redondezas para um jantar em casa, com o objetivo de clarear esse possível mistério que me perturbava por alguma razão. As dezenove horas bateu na porta padrinho Zezé. S. Filó, Chico do mato e Tonho dos Berto logo depois. O jantar ia bem e apressei-me a contar o que vi. Todos fitaram-me com certa estranheza, enquanto pareciam tentar lembrar-se de algum bicho com tais feições. Tonho dos Berto, que morava mais longe, garantiu que não possuía bicho semelhante a que descrevi a eles. S. Filó em seguida murmurou algumas palavras de boca cheia, a qual pudemos concluir que também não tinha conhecimento disto. Chico do mato porém, disse algo que quase me arrancou um suspiro, mas que se mostrou apenas um artifício para quebrar o gelo. Dissera que em uma noite muito semelhante ao que descrevi, seu empregado ouvira barulho muito estranho, para não dizer assustador, vindo da região dos Coqueiros. Pensou, porém, ser algum pássaro ou mesmo uivo dos ventos. Já desanimado com o assunto, desviei o foco para Messias, o último vizinho que convidei para o jantar. Indaguei aos outros sobre não ter vindo, mas ninguém soube responder com clareza o motivo. Foi na hora da sobremesa que tive uma boa surpresa. Padrinho Zezé disse que me seguira noite passada, para entregar-me o doce de gergelim que esqueci em sua casa em minha visita. Por ter derrubado seu óculos no caminho, achou melhor voltar para casa e entregar outro dia. Após narrada esses pequenos fatos, pude notar certa excitação em sua voz, e o que dissera em seguida arrepiou até o menor pelo de meu espinhaço. Sem que minha opinião cética quanto a esses assuntos distorça qualquer fato, direi exatamente as suas palavras.

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