Contos E Cores

Asas Brancas Para Longe De Mim

Há muito tempo atrás, havia uma garota.

As pessoas com quem converso não se lembram muito bem exatamente quando ela começou a aparecer, mas todos sabiam (ao menos eu sabia) que todo sábado a tarde, lá pelas 15:00 horas, ela estaria sentada na mesa central do parque que ficava na rua de cima, contando uma história.

Eu acho que ela amava histórias, principalmente as com finais felizes.

Não sei de onde viam as novas narrações (eu mesmo não conhecia nenhuma). Talvez ela tivesse lido em algum livro pouco conhecido de contos, ou fossem fanfics encontradas na internet. Mas ela as contava tão perfeita e detalhadamente, que eu tinha a impressão de que ela mesma as havia escrito. Talvez realmente fosse.

Há muito tempo atrás, as pessoas se reuniam ao redor da garota para ouvir sobre qualquer coisa que ela tinha de novo pra contar. Famílias dando um passeio, crianças que tinham ido brincar, adolescentes, cachorros e seus donos. Todos reunidos escutando a garota descrevendo seu mundo fantástico.

Eu também. Eu também a escutava falar cada um de seus diferentes mundos com aquele lindo sorriso em seu rosto.

Bem, há muito tempo atrás, ninguém sabia o motivo de a garota estar lá toda semana. Ninguém sabia que a garota morava apenas com o pai, em uma pequena casinha. Ninguém sabia que ele trabalhava sem parar quase todos os dias e voltava para casa aos sábados, aproximadamente às 15:30. Ninguém sabia que geralmente ele voltava bêbado... e violento.

Na realidade, me pergunto o que alguém realmente sabia sobre aquela garota sorridente e brincalhona do parque.

Há muito tempo atrás, ninguém notou quando a garota começou a usar blusas de manga longa para esconder os hematomas nos braços. Também não notaram as manchas roxas no pescoço, escondidas pelo cabelo e a maquiagem. E nem ligaram para os machucados em seu rosto, que ela disse terem sido feitos ao cair no chão enquanto corria. É, ninguém notou. Ou ao menos, fingiram não notar.

Há muito tempo atrás, a garota não apareceu mais no parque. Às 15:00 horas, não haviam pessoas ao redor da mesa, ouvindo as novas aventuras contadas por uma bela jovem. A garota já não estava lá.

Há muito tempo atrás, a garota não sabia que seu pai havia saído mais cedo do trabalho. Ela não sabia que estava mais violento e agressivo aquele dia. Ela não sabia que precisava tomar mais cuidado com ele.

Há muito tempo atrás, aproximadamente meio ano, a garota desse parque foi morta.

Hoje já não posso fazer nada por ela. Se eu tivesse agido antes, a garota por quem eu havia me apaixonado não teria criado asas brancas e voado para um lugar desconhecido, o qual eu só tinha escutado histórias.