PRELÚDIO

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"Quando eu acordo, sinto medo que alguém tenha roubado meu lugar

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"Quando eu acordo, sinto medo que alguém tenha roubado meu lugar."

Páscoa, festa tradicional da Alkyóna.
ATENAS, GRÉCIA

— Nini, esqueça o livro perdido e venha assistir ao desfile comigo. — Arcane fica na ponta dos pés, com o peito debruçado sob a sacada. E, como se essa travessura não bastasse, a maluquinha ainda olha por cima do ombro, acompanhando os movimentos de Nimue que revira as almofadas em busca do Último Olimpiano.
— Pelo amor de Deus, Ane! Tome cuidado! — Melissa implora, se sentindo responsável pela segurança das duas.
Na maior parte do tempo, ela surta de preocupação, mas é um fato consumado que Mel adora ser a irmã mais velha. Adora ser uma influência boa na vida das duas pequenas.
— Tá tudo bem! — Arcane revira os olhos e volta a apreciar o desfile que acontece lá embaixo, na rua.
A páscoa é sua época favorita do ano. Além dos vestidos lindos que podem usar, as pessoas têm o costume de jogar vasos de barro pela janela e em seguida fazer um pedido. E a condição importante pro desejo virar realidade é que ele precisa ser esquecido, senão, não acontece.
Esse, sem dúvidas, é o maior desafio da vida de Arcane.
Pois ela nunca esquece de nada.
— Trouxe todos os vasos? — A garota se afasta da sacada e corre pelo quarto, sempre tão agitada que arranca risadinhas de Melissa. — Cadê a caixa, Mel? Cadê?
Procura debaixo da cama, e quando não acha, para na frente da irmã com uma carranca muito feia. Mel afasta o lápis dos olhos, deixando pela metade o delineado intenso de gatinho.
— Já procurou atrás da porta? — Sugere enigmática.
— Não. — Arcane corre a todo vapor à procura dos vasos.
— E meus livros, Mel? Sabe cadê? — Nimue imita o comportamento arisco de Arcane.
— Sinto muito, mas seus livros eu não sei, amor. — A mais velha corre os olhos pelo quarto para conferir uma última vez se eles sumiram.
— Eu vi Cintia reclamando deles com papai; que você estava lendo muita porcaria e esquecendo de praticar esgrima. — Arcane tira um vaso grande da caixa de papelão e analisa com um sorriso animado. — Talvez o maluquinho tenha pegado.
— Não acredito nisso. — Os olhos de Nimue escurecem de raiva. O choro rasga sua garganta, mas ela o engole com orgulho. — Sabe de uma coisa? Me dê esse vaso maior. Eu vou fazer um pedido diferente esse ano.
— Que tipo de pedido? — Melissa abandona o espelho pequeno e fica na frente dela, afagando sua bochecha vermelha.
— Vou pedir a Deus que mate eles empalados, Melissa — rosna, determinada e cruel.
— Deus não vai atender um pedido tão assustador, Nimue — Arcane interrompe o raciocínio profano da sua irmã. — Ouvi dizer que Ele é bom demais.
— Pois algum deus malvado e cruel vai me atender. — Nimue marcha até sua irmã caçula, tirando o vaso maior das suas mãos. — Na Grécia tem muitos deles.
Mesmo tão pequena e cega de raiva, essa menina não está errada. Na Grécia existem muitos deuses cruéis, mas mexer com eles é fazer um pacto eterno com o diabo. As irmãs Planard aprenderão isso eventualmente.
Um silêncio solene se espalha pelo quarto, cada uma conversando com seus pensamentos, maquinando se é uma boa ideia fazer um pedido tão arriscado como o de Nimue. Elas desejam isso como ninguém. O anseio rasga suas gargantas a cada segundo que ficam caladas. Mas não se pode brincar com uma coisa tão séria como a Páscoa.
— Vamos jogar os vasos — Melissa quebra o silêncio quando percebe que estão quietas demais encarando a caixa.
— O que vai pedir? — Arcane pergunta pomposa, buscando inspiração para o seu pedido.
— Nada. — A mais velha dá de ombros. — É uma tradição boba, Ane. Essas coisas não se realizam de verdade.
— Mentira! — A garota se recusa. — Papai pediu por uma maleta de dinheiro e no mesmo dia ele ganhou!
As bochechas de Nimue explodem de raiva. Ela ainda está possessa e caminha até a sacada com seu vaso de barro em mãos. O objeto ainda tem o cheiro fresco da fabricação.
— Eu desejo que o bebê da Cintia morra, para que papai não se livre da gente quando ele nascer! — A garota revela de uma vez, observando o vaso cair das suas mãos e se despedaçar na calçada.
Um silêncio assustador consome Arcane e Melissa. Essa revelação é perigosa demais. Assustadora. Isso explica porque eles estavam estranhos desde que chegaram na mansão. Agora todas as peças se encaixam, graças a Nini. Seus ossos tremem de medo e a mais velha agarra seu braço, com medo que alguém tenha ouvido o desejo medonho.
— Que história é essa, Nimue?!
— Ela me disse! — Se defende, assustada com a reação explosiva da sua irmã. Arcane agarra a cintura de Melissa, amedrontada com o que ouviu e com seu tratamento.
— Quando?! — Mel chacoalha seu braço.
— Hoje de manhã... — Choraminga. — ... quando eu estava me arrumando pra Páscoa!
— O que Nimue disse é verdade.
Flagradas. A porta do quarto se abre e o salto de Cintia faz barulho a cada passo que ela dá na direção das garotas. Uma tensão desesperadora contamina o ambiente.
— Você estava ouvindo tudo? — Melissa se coloca na frente delas por puro instinto.
— Estava. — Um sorriso maldoso surge no rosto bonito da mulher. Ela tira suas luvas elegantes e guarda no bolso. — Estou tão decepcionada com o comportamento de vocês, meninas.
— Mas a gente não fez nada! — Arcane sai em defesa.
— Não seja mentirosa, aberração! Eu ouvi o pedido de Nimue. Vocês são perversas. São loucas como a mãe.
— Cala a boca! — Arcane grita, ofendida com suas palavras. — Não fale da mamãe! Você não tem o direito!
As três irmãs se encolhem quando Cintia range de ódio. A mulher ergue a palma para acertar o rosto da caçula, mas Melissa, como uma irmã incrível, age mais rápido e torce o pulso dela até estalar. Os olhos de ambas se arregalam.
— Não toque na minha irmã — ameaça, ofegante pela adrenalina quente. — Agora que você está grávida do papai, seus dias de maus tratos devem acabar. Ou vamos contar tudo pra ele.
Uma risada espontânea vence a expressão de dor da mulher. Os segundos passam e ela permanece gargalhando, até que massageia seu pulso machucado e apruma a postura.
Impecável. Ardilosa. Mortal.
É surpreendente como pessoas calmas são sempre as mais perversas. E essa madrasta não passa de uma víbora prestes a dar o bote.
— Acho que também vou fazer um pedido. —  Ela caminha dois passos, encurralando as garotas lentamente até a sacada. — E diferente do de vocês, o meu vai se realizar agora mesmo.

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Aberração: A Queda Dos Deuses (DEGUSTAÇÃO - LEIA NA AMAZON)Onde histórias criam vida. Descubra agora