capítulo único; enquanto as ruas cantarem

171 31 50
                                    

O sol começava a baixar entre as poucas nuvens e a maré calma, pintando o céu com os mais belos tons de laranja, rosa e azul — já estava chegando a hora. Ao contrário da enorme bagunça barulhenta que encontrava-se as ruas movimentadas, o castelo mantinha-se escuro e silencioso, exceto pelos sons ambientes típicos do imenso jardim e, por isso, o príncipe não encontrou dificuldades em saltar pelo muro e desaparecer entre os becos enquanto vestia sua máscara.

As ruas do reino encontravam-se em euforia, por cada esquina que entrasse era possível sentir a animação e alegria de todos que ali festejavam sem a mínima menção de interromper. O carnaval daquela ilha era provavelmente um dos mais amados por todos do mundo, centenas de milhares de pessoas desembarcavam ali todo ano apenas para comemorar nas ruas quentes e coloridas da ilha.

A música alta e animada fazia o interior do jovem vibrar na mesma melodia, um sorriso largo crescendo em seus lábios conforme se esgueirava pelos corpos quentes e dançantes espalhados pelas ruas, todas as cores e melodias causando ao mesmo tempo uma euforia fora do comum e uma leve dor de cabeça — não estava habituado a tamanha explosão de informações.

Havia todo tipo de gente ali: anônimas, atrás de suas máscaras, sendo elas simples ou enfeitadas. Os pés do príncipe o guiavam cegamente até o coração daquela melodia dançante, descendo a rua sob os confetes cintilantes, Seungmin avistou um grupo de pessoas rodeando os músicos, seus instrumentos retumbando por toda a praça e ecoando pela cidade, e no meio deles, um rapaz de cabelos escuros, e chapéu com várias pontas caindo para lados aleatórios, uma máscara vermelha e um macacão branco com losangos ciano chamou-o à atenção. Seus pés descalços moviam-se habilidosamente no ritmo do bumbo e seus braços balançavam alegremente, puxando algumas pessoas a sua volta para aquela coreografia livre e divertida até mesmo de assistir, o sorriso do alegre Arlequim contagiando o mascarado monarca que admirava toda aquela cena.

Após mais um giro alegre do rapaz sorridente, seus olhares cruzaram-se de modo involuntário, e os pés do Arlequim pararam para que ele pudesse admirar o rapaz de cabelos escuros e ondulados como o mar, o traje vermelho parecendo destacá-lo da onda de cores vibrantes que o cercava, junto a máscara detalhada que lhe cobria 2/3 da face. Por algum motivo estava hipnotizado.

Talvez fosse sua sina, sendo o Arlequim, apaixonar-se pela delicada e deslumbrante Colombina, em seus trajes pomposos que destacavam da multidão. Apenas sorriu largo ao sentir seu melhor amigo tocar-lhe o ombro, e acenou com a cabeça, vendo Minho puxar uma das muitas pessoas ao redor para a dança. Afastou-se, caminhando em direção ao garoto misterioso que tanto o cativava.

Seungmin desesperou-se, o coração acelerando subitamente e as mãos tremendo em nervosismo, tanto por sua identidade oculta quanto pelo rapaz que aproximava-se, e que deixava-lhe meio afetado apenas com o sorriso.

— Seu sorriso é bonito, sabia?

Seungmin riu envergonhado com o comentário e abaixou a cabeça, sentindo as bochechas cobertas queimarem. O rapaz fantasiado pareceu perceber que Seungmin estava constrangido demais para dizer algo e puxou-o em direção a roda de pessoas dançando, vendo-o relutar com os olhos arregalados.

— Vamos, você vai gostar.

— Eu não sei dançar... — mentiu.

O Arlequim sorriu e puxou o Kim em sua direção, abraçando sua cintura e aproximando seus lábios do ouvido do de madeixas onduladas.

— Eu te ensino.

Seungmin sentiu o próprio corpo amolecer e o coração palpitar, permitindo-se ser guiado em direção ao centro da comemoração e dançar junto ao príncipe Hwang, como o rapaz apresentou-se, com o maior e mais belo sorriso que dera em sua vida.

Seus pés seguiam os do desconhecido sem nem saber por onde iria ou onde chegaria, a música, o cheiro de maresia misturado ao perfume fraco do rapaz, as cores vibrantes, tudo era tão hipnotizante para o Kim que nada mais importava além da dança desajeitada e tímida que acompanhava a do príncipe do Carnaval, e os doces elogios que o mesmo direcionava para si, enquanto o girava no ar e pulava alegre.

Não percebeu quando a lua cheia surgiu no céu escuro e limpo, não conseguia concentrar-se em nada mais senão o rapaz vestido de Arlequim e na melodia incessante que o cercava, a cada segundo cada vez mais inebriado naquela doce e inédita sensação de liberdade. Quando seus pés tocaram a areia fria e a música começou a abaixar, a risada fraca do Hwang despertou sua mente enevoada.

— O horário...

— Quase duas da manhã... Mas não diga que a Cinderela precisava retornar antes disso?! — o garoto mascarado brincou enquanto caminhava de modo preguiçoso pela areia macia.

— Talvez. — brincou Seungmin unindo-se a ele, procrastinando o inevitável retorno ao palácio e suas obrigações tediosas. O silêncio perdurou mais uma longa faixa de areia, até o Arlequim parar e sentar-se de frente para o mar, convidando com um olhar o garoto a fazer o mesmo.

— Eu gosto do mar, ele me lembra liberdade... — O moreno murmurou contemplando a imensidão de água a sua frente. — Dançar também me faz sentir livre. E acho que posso acrescentar estar com você a essa lista agora.

O mais novo sorriu, voltando-se ao mar e contemplando o reflexo prateado da lua tremeluzindo nas ondas.

— Vamos. — falou animado erguendo-se e estendendo a mão ao garoto, que o encarou confuso — Se o mar, dançar e eu te fazem sentir-se livre, então vamos dançar no mar.

— Ficou doido?! — perguntou rindo, mas curiosamente permitindo-se ser puxado pelo garoto que retirava a capa delicadamente, seguido da máscara decorada e brilhante. Seus lábios partiram-se em incredulidade ao ver a face do rapaz.

— Talvez esteja, mas preciso me sentir livre assim essa última vez, e por mais bobo que soe, você também me faz sentir livre.

As calças de tecido leve umedeceram-se pela água salgada, giros desengonçados seguidos de risos e abraços foram feitos conforme os corpos se uniam mais, cada vez mais mergulhados na maré gelada. Os olhos castanhos de Seungmin se conectaram aos do Hwang, que soltou a máscara de veludo preto e revelou o rosto tão belo pela primeira vez, sorrindo largo pela constelação alegre que cintilava nas orbes do Kim, e então, selou seus lábios.

Não havia pressa por parte de nenhum dos dois, ambos não desejavam findar aquele contato tão íntimo e tão bom, que ao mesmo tempo que causava um fervor estranho no peito, gerava um frio na boca do estômago que só era apaziguado quando os corpos uniam-se cada vez mais, quase como se não quisessem soltar-se nunca. E, talvez, não quisessem mesmo.

Quando a marcha aumentou de volume mais uma vez, Hyunjin encarava as ondas calmas sozinho, uma capa vermelha reluzente encharcada ao seu lado, e pegadas fundas largadas na areia. Minho reapareceu depois das três da manhã, os cabelos desarrumados e a fantasia já quase para fora do corpo de tanto que havia pulado. Sorriu largo e sentou-se ao lado do melhor amigo sem nada dizer, não era necessário afinal nenhuma palavra para compreender aquele olhar.

Sua fantasia de Arlequim externava a felicidade que Hyunjin exalava, mas no fim, foi ele quem foi abandonado sob a luz do luar por sua doce e bela Colombina.

VENICE CARNIVALOnde histórias criam vida. Descubra agora