Destinado

342 27 252
                                    

Recordava daquele dia com clareza, a mesma com a qual escutei todas aquelas vozes angustiadas. Havia adormecido cedo, como era de meu costume, inalando a essência de rosas própria de meus aposentos. Foi por esse motivo que fui surpreendido quando o cheiro de queimado invadiu minhas narinas, deixando-me sufocado e tonto quando tentei me levantar de supetão. Eu havia apurado os ouvidos, tentando entender o que diabos estava acontecendo, e distinguir algum timbre familiar entre as inúmeras vozes.

— É UM ATAQUE! — Consegui escutar uma voz genérica, que sobressaiu um tom acima das outras.

Senti meu coração parar, ao mesmo tempo em que sofria uma queda de pressão. Segurei na guarda da cama para me equilibrar enquanto a compreensão, gradualmente, chegava. Não poderia ser que isso estivesse acontecendo... Olhei pela janela e vi a batalha árdua que se desenrolava lá fora. Eles, de fato, eram assustadores. Andei a passos largos e peguei aquilo no armário, escondendo em minhas vestes, antes de disparar a correr e destrancar a porta.

— Cadê meu pai? — gritei, encarando o vai e vem de pessoas, mas ninguém parecia estar realmente dando importância quando irrompi quarto afora. Eu deveria saber. Títulos e nobreza pouco importavam. Lealdade? Ri internamente. Apenas piada. Ser o príncipe não me ajudaria nesta situação.

Em parte, estava preparado para este momento. Havia poucas pessoas com quem poderia contar, mas elas existiam e meus pés haviam decorado os passos até seus quartos, de forma que poderia alcançá-los mesmo se não pudesse enxergar. Assim, quando não localizei a silhueta de meu pai em seus aposentos reais, imediatamente me encaminhei para os da mão do rei, o jovem sábio, e meu amigo próximo, Kim Namjoon.

Uma pressão terrível nos ouvidos me oprimia enquanto corria em disparada, sendo jogado, ora para a direita, ora para a esquerda, quando as pessoas esbarravam e, por vezes, me atiravam para o lado sem ao menos me olhar nos olhos. O caos já havia sido instaurado. O pânico finalmente tomou conta de mim quando assisti um garoto não muito mais velho do que eu cair e ser pisoteado no meio da confusão.

Respirei fundo e segui em frente, mesmo lutando contra meu coração, que me dizia para parar e ajudar. Minha mente, entretanto, cumpriu seu papel ao me recordar que levaria o mesmo destino se tentasse. O palácio estava atolado de gente, os civis que buscavam algum tipo de proteção enquanto as tropas reais combatiam aquelas bestas, os nossos velhos conhecidos, os tigres.

Talvez em algum momento da história tivessem sido somente animais selvagens, porém pacíficos, confinados nas selvas. No entanto, os tigres eram agora criaturas divinas, dotadas de uma inteligência fora do comum e de uma força sobre-humana. A única coisa que aprimoraria esses seres místicos, que era o único objetivo de suas existências, era a imortalidade. E essa era a razão de todo esse pandemônio que eu estava vivendo. O Mapa da Alma.

Mapa da Alma era uma joia que poderia conferir harmonia aos humanos no plano dos mortos, a imortalidade para os tigres, ou outros benefícios, a depender da vontade de seus usuários e da natureza destes. Por esse motivo, era guardada a sete chaves por sacerdotes e sacerdotisas especiais, e migrava de reino para reino, de maneira que os tigres não conseguissem obter o seu paradeiro. Era desta forma que a paz no reino espiritual estivera estabelecida por um ciclo de cinco séculos ininterruptos para os humanos. No plano físico, porém, a história era outra.

Era possível reinar durante toda a sua vida sem ter a chance de colocar os olhos no Mapa da Alma, nem enfrentar a responsabilidade de guardar um. Entretanto, isso não impedia os frequentes conflitos de reinos humanos com os tigres, se estes desconfiassem que o rei era o guardião temporário da joia. Havia, portanto, uma tensão de guerra constante pairando sobre o ar.

A vantagem que a humanidade tinha em detrimento dos seres divinos era que, devido à personalidade destes últimos, as disputas de poder para decidir o líder eram naturais. Assim, era extremamente difícil encontrar grupos numerosos de tigres, o que dificultava sua organização, e fez com que a espécie entrasse em declínio com o passar dos anos, cada grupo vivendo em regiões bem distantes ao redor do planeta. Mesmo com este fato, foram várias as vezes, ao longo dessas centenas de anos, que os felinos quase haviam colocado as garras sobre o objeto poderoso.

Mapa da Alma | TaejinOnde histórias criam vida. Descubra agora