Ela nunca mais voltou a mansão. Haviam muitas memórias lá, assim como em Sundermount e no resto desta maldita cidade, verdade seja dita.
Merril ainda se lembrava da primeira vez que o vira, quando ela deveria guia Hawke pelas montanhas. Ela chegou a ver Asha'Bellanar em pessoa aquele dia, e ainda assim a pessoa mais incrível que conhecera aquele dia não fora ela, mas Hawke. Ele era forte, rápido, engraçado, e calmo mesmo em frente ao perigo. Mesmo quando ela se revelou como uma maga de sangue, algo pelo que até seu clã a julgara, Hawke se manteve aberto, disposto a conhecer Merril antes de julgá-la.
Merril ainda se lembrava de sua primeira visão do gueto. O pavor que ela sentira então. O medo do que o futuro ainda guardava. Foi Hawke quem a encorajou, deu-lhe as forças para continuar avançando. Se ela ao menos soubesse o que os anos ainda guardavam para ela...
Merril se lembrou de seu primeiro beijo com Hawke. A sensação de seus braços a envolvendo e de sua barba raspando em seu queixo. O gosto dos seus lábios. A memória a fizera chorar, como já tinha tantas outras vezes. O pior era que ela podia ver seu reflexo no vidro opaco do Eluvian pelo qual tinha sacrificado tanto.
Então ela ouviu uma batida na porta. Outro dos guardas da Aveline vindo checar. Quer tenha sido a Aveline que o mandou ou o Varric, agora que ele estava ocupado demais para vir ele mesmo, ela não ligava. Merril apreciava o esforço de seus amigos, mas toda vez que alguém vinha até ela, ela se lembrava de todas as coisas terríveis que dissera a Varric quando ele finalmente retornara de seu tempo na Inquisição. Ela eventualmente se desculpou, mas era óbvio que Varric ainda se culpava. Hawke era importante para ele também. Ele era importante para todo mundo.
-Eu estou bem! Só vá embora! - Sua voz oscilou. Não tinha como fingir que ela não estivera chorando.
-Perdoe-me. -Veio a resposta, mas aquela não era uma voz que Merril conhecia. Tranquilizante e calma, como um Hahren ensinando as crianças. -Eu gostaria de conversar. Por favor, da'len.
Ao ouvir isso, Merril se levantou. Os elfos do gueto quase nunca usavam palavras dalishianas. E tinha algo naquela voz. Arrependimento, talvez. Merril pensou em ir até ele, ver quem estava ali, mas então ela percebeu que não ligava. Não seria Hawke.
-Vá embora! -Merril disse entre soluços.
-Merril... Eu conheci o Campeão. Por favor. - Merril queria gritar. Arremessar uma rajada espíritual na porta e no homem atrás dela. Ao invés disso, ela andou até a porta e a abriu devagar. Quando ela viu seu visitante, seu coração parou. Ela sabia exatamente quem era aquele.
-É você... Varric me contou sobre você... Você é... -Mas ele a interrompeu antes que ela pudesse dizer as palavras.
-Eu mesmo. Por favor, eu posso entrar?
Ele estava usando robes verdes sujas de terra, velhas botas de couro e uma grande capa com capuz. Seu rosto era simples, mas firme, com uma pequena cicatriz em sua testa. Daquela distância, Merril podia ver que ele era careca, o que fazia sua cabeça parecer comicamente com um ovo. Ela sabia que não deveria rir disso.
Eles já estavam dentro quando ele finalmente se sentou. Ela o ofereceu água. Mais de dez anos desde que Merril se mudara para aquele lugar, e ela continuava uma péssima anfitriã.
-Obrigado. -Ele disse, provando a água. -Eu devo admitir, a maioria dos dalish que eu já encontrei não foram tão... cordiais. E eles nem conheciam minha verdadeira natureza.
Merril o olhou com suspeita.
-Varric me contou a sua história. Eu costumo ter problemas com as histórias dele. Eu nunca sei quando é verdade, mas desta vez eu sabia.
Solas olhou para ela, meio intrigado e meio temeroso.
-Como? -Merril beliscou sua própria água, mas não tirou os olhos dele.
-Quando o Varric mente, é pra fazer algo ficar maior. Mais impressionante. Você ser um mago e não um deus não é isso. -Mais uma coisa que ela perdera, pensou Merril. Nem suas crenças a faziam companhia mais. A Zeladora se fora. Seu clã se fora. hawke se fora. Até os Criadores se foram. Não. Eles nunca estiveram com ela, desde o início. De alguma forma isso era ainda pior.
-Entendo. -Solas respondeu sorrindo. -Varric realmente ama seus exageros.
-Por que você está aqui? -Merril perguntou, seu aborrecimento claro em sua voz. -Você pode não ser um deus, mas eu já ouvi o suficiente sobre você. Varric disse que você quer destruir o mundo.
Solas a olhou por alguns instante. Ele parecia cansado.
-Isto é apenas parcialmente verdadeiro, da'len. Quando meu plano suceder, este mundo realmente deixará de existir. Mas apenas porque haverá outro. Aquele de antes. Nosso mundo, Merril. O mundo dos elfos. -Solas então se explicou. Ele a contou sobre as maravilhas de Arlathan; a verdade dos Evanuris (que Varric ou não sabia ou não a contou. Merril decidiu que não ligava qual dos dois.); como ele teria tomado tudo dos elfos; e finalmente como ele os salvaria. Ele iria restaurar tudo que eles perderam.
-Você sempre quis isso, não? Desde que encontrou seu Eluvian, você vem tentando restaurá-lo. Restaurar um pedaço do que havia antes. Eu posso te oferecer isso. Ajude-me, e nós vamos restaurar muito mais do que apenas um espelho. -Após dizer isso, os olhos de Solas brilharam com magia natural. Merril nunca vira nada igual. Ela ouviu um barulho em seu quarto, e Solas a acompanhou até lá. Mais uma vez, Merril chorou.
-Depois de tudo... Tudo que eu sacrifiquei... você... como..?
-Eu não sou um deus Merril, mas eu sei o que precisa ser feito. Você me ajudará? -Diante deles, o espelho de Merril brilhava com uma centena de cores. A magia havia ganhado vida, e Merril podia sentir a energia emanando. Ela se lembrou de como a Zeladora a menosprezara. Como seu clã se afastara dela por causa disso. Ela desejou que eles pudessem estar ali agora, todos eles. Ela pensou em Hawke.
-Por que eu? -As palavras vieram com dificuldade, misturadas com seus soluços. Solas olhou para ela, e agora sua expressão não era mais capaz de esconder seus arrependimentos.
-Eu tomei mais de você. Meu plano original deu errado. Foi por minha causa que Corypheus ganhou seu poder, e por minha causa que Hawke teve que se sacrificar. -Ele levou um segundo para continuar. -Outra vítima do Lobo Temido.
Suas últimas palavras estavam carregadas de desprezo. Merril viu o quanto ele odiava aquilo. O quanto ele se odiava.
-Não. -Ela disse. -Quando eu recebi a notícia, eu culpei a mim mesma. Por que eu não fui com ele? Então eu culpei Varric. Ele mesmo disse, e ele costuma estar sempre certo... Mas a culpa não é dele. Eu culpei o Inquisidor, eu culpei a Investigadora da qual Varric me contou... Eu culpei todo mundo, mas a verdade é que Hawke sempre fez suas próprias escolhas. Desde que eu o conheci ele estava sempre ajudando os outros. E fazendo piadas sobre isso.
As lágrimas começaram a voltar, mas Merril as empurrou para longe.
-Ele se culpava por Corypheus, eu sei que sim. Mas não é sobre isso. Hawke teria dado sua vida por qualquer um de nós se fosse necessário. Esse era o tipo de pessoa que ele era. O homem que eu amei.
-Não é culpa sua também. -Ela disse, e Solas só conseguiu encarar. Ele abriu sua boca para falar mais de uma vez, mas voltou a fechá-la. Então ele sorriu. Um sorriso pequeno e gentil, que ainda carregava diversos arrependimentos, mas de alguma forma parecia mais level.
-Você vem? Existem tantas coisas que eu quero lhe mostrar.
Merril acenou, e ajudou Solas a atravessar seu Eluvian. Ela não podia ajudar Hawke. Seu Campeão. Seu amor. Mas ela ainda podia ajudar se povo. A restaurar o que foi perdido.
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O que foi Perdido
FanfictionEm um mundo onde Hawke e Merril tiveram um romance e Hawke foi sacrificado no Imaterial, nós acompanhamos as consequências desta escolha e como elas afetaram Merril. Então vemos uma figura do passado fazendo contato com ela.