Meu pai morreu há dois meses. Foi uma morte inesperada, ninguém espera acordar ao lado de um cadáver. Pelo menos minha mãe não esperava. Meu pai sofreu um mal súbito, pelo menos foi isso que os médicos nos disseram.
Isso abalou nossa família, ainda não estamos sabendo lidar com isso. Minha mãe visando amenizar um pouco o clima pesado, providenciou a nossa mudança pra uma nova vizinhança.
Puta merda, que forma melhor que lidar com o luto do que se afastar de tudo e todos que conhecia, não é mesmo? O grande problema nem é esse. A vizinhança é agradável, até demais. Porém, há um pequeno problema. Nos mudamos pra cá há três semanas, até que foi fácil se adaptar. Fomos recepcionados pelo vizinho Flint, que nos trouxe uma torta de maçã quentinha e um belo sorriso no rosto. Consegui me adaptar a escola e até criei novos amigos. Tudo estava indo muito bem, eu já estava começando a adorar a idéia de viver ali, em apenas 5 dias eu tinha me adaptado perfeitamente.
Mas então, aquilo aconteceu. Não sei bem que porra aconteceu, mas eu tenho certeza de que aconteceu.Eu estava na janela do meu quarto, conversando com um amigo do antigo bairro. Comia uma maçã e aproveitava a vista enquanto a conversa fluía. Da janela eu conseguia uma vista de toda a vizinhança, todas as casas, mas principalmente, a casa de Flint. Foi aí que em um momento da noite vi Flint entrar em casa acompanhado. Uma linda mulher loira de cabelos ondulados, quase cacheados. Era uma prostituta? Não, acho que não. Flint era um cara bem afeiçoado, seria fácil para ele conquistar alguém assim. Eu não saí da janela enquanto conversava com meu amigo, e porra, foi um escolha idiota. Por volta de uma da manhã, vi Flint saindo com dois sacos de lixo e saindo da vizinhança. Nenhum sinal de alguém estar na sua casa. Cerca de 15 minutos depois, Flint apareceu e entrou na sua casa. Achei suspeito, é essa suspeita se intensificou ainda mais quando nos próximos dois dias ninguém saiu da casa de Flint, ninguém além dele.
Porra, o que aconteceu com a garota? Eu não conseguia parar de pensar nisso. Eu não queria ligar para a polícia, talvez a garota tenha ido embora quando eu não estava olhando. Então eu perguntei Flint a respeito. Ele deu um sorriso, me olhou e disse suavemente: "O que vocês viu?"
Eu o respondi com a verdade. Apenas o vi entrando com uma garota e saindo um tempo depois, com dois sacos de lixo. Flint não parecia preocupado, não parecia surpreso. Realmente parecia inocente. Sua única resposta foi: "Ela me deixou no dia seguinte. Era apenas uma companhia de uma noite, se é que me entenda."
Logo após isso, comecei a observar Flint pela janela do quarto. Por quê? Ele parecia inocente, não estava mentindo, aparentemente. Então, por que eu ainda o vigiava? Bom, talvez seja apenas um instinto? Sendo isso ou não, Flint passou a me notar na janela e ele sempre acenava. Três dias se passaram e aquilo ainda me corroía por dentro, eu precisava saber da verdade. Flint, certo dia, casualmente convidou a mim e minha mãe para um almoço. Nós aceitamos!
Porra, era a chance pra eu descobrir algo, eu estava dentro da casa dele. Porém, não havia nada de errado. Nenhum sinal de sangue, violência, nada! Mas haviam se passado três dias, ele podia limpar, certo? Eram tantas perguntas sem respostas.Após o almoço, um bate papo amigável começou. Flint então tocou no assunto, comentou sobre o que eu vi. Ele disse que a garota estava no porão e todos riram casualmente. Mas e se ela realmente estivesse? Mesmo que estivesse, o que eu tenho a ver com isso? Muitos pensamentos enchiam minha mente, que se tornava cada vez mais confusa. Merda, eu só pensava nisso.
Bom, os dias passaram, Flint sempre educado e amigável. Nunca entrava em nossa casa sem que alguém o convidasse, talvez ele se sentisse incomodado. Era um homem acima de qualquer suspeita.
Aos poucos fui me esquecendo do ocorrido, era o melhor a se fazer. Mas um dia, Flint saiu de casa a noite. Tá, isso era normal, qualquer um faria isso. Mas por algum motivo, algo martelava em minha mente, algo suplicava pra que eu entrasse na maldita casa pra ver o que havia no porão. Era só uma piada, ou Flint estava se confessando? Aproveitei a deixa e entrei em sua casa pela janela. Um clima sombrio habitava o local, ou eu só estava com medo? De qualquer forma, procurei pelo porão até encontrar. Desci as escadas e para meu espanto, não havia nada. Suspirei aliviado, no fundo, era o que eu queria.
Foi quando ouvi um barulho vindo dos andares superiores. Porra, por que eu fui olhar? Subi seguindo o barulho até o sótão. Quando cheguei até lá em cima, o barulho vinha de trás de uma lona. Eu me aproximei lentamente, passo por passo. Minhas mãos tremiam, o suor frio escorria pela minha testa tocando meu queixo e respingando no piso de madeira. Foi quando estendi minha mão até a lona, calmamente toquei o tecido, respirei fundo e a puxei rápido. Pularam em cima de mim a toda velocidade, não consegui conter meu grito de pavor. Porra, eram só guaxinins! Mas o susto foi grande.
Me preparava pra sair de lá o mais rápido possível quando senti um toque em meu ombro.- "Não deveria entrar na casa dos ouros sem ser convidado, David."
Meu coração foi parar na garganta, comecei a suar ainda mais.
- "Fli-flint!?"
- "Vamos, garoto. Temos que ter uma conversa, junto de sua mãe."Flint me acompanhou até minha casa, bateu a campainha e esperou ser atendido pela minha mãe.
Minha mãe atendeu a porta e me viu com uma cara de espanto, medo, um misto de sentimentos. E claro, Flint logo atrás de mim com aquele sorriso sem graça no rosto.- "Oi, Stephanie! Posso entrar pra conversarmos um pouco?"
Minha mãe assentiu. A conversa durou alguns minutos, a repreensão da minha mãe uma eternidade. Eu estava muito arrependido.
Após tudo aparentemente resolvido, Flint se despediu e foi embora. Mais uma série de repreensões foi realizado até minha mãe se dar por satisfeita e me castigar.Fui dormir, sem nem sequer olhar pela janela. Quando ouvi um grito contido:
- "Boa noite, David."
Eu me aproximei da janela e o respondi:
- "Boa noite, Flint. E novamente, me desculpe pelo que fiz."
Ele apenas acenou.
Eu tava pronto pra esquecer aquilo, cara, eu juro. Mas então...
- Espera, quer dizer que você se fodeu por um monte de nada?
- Se você deixar eu terminar a maldita história, Alex, você vai saber.
- Tá, foi mal.
- Bem, tava tudo resolvido, aparentemente. Mas então ele sumiu por um tempo, foi quando passei a olhar a casa dele pela janela de novo. Quatro dias sem nada, nem mesmo uma lâmpada acesa. Foi quando o vi voltar pra cada um dia, suas mãos estavam cheias de sangue. Ele parou no meio da rua, me olhou nos olhos e sorriu.
- Tem certeza de que você não tava, sei lá, meio sonolento e imaginou isso?
- Cheguei a pensar nisso. Até que no dia seguinte ele me chamou pra ajudar a concertar o carro dele. Minha mãe me obrigou a ir, pelo que eu havia feito. A lataria do carro dele era impecável, eu conseguia ver meu reflexo nela! Menos... Porra, isso soa tão idiota.
- Menos o quê, cara?
- Não dava pra ver a porra do reflexo dele, Alex. E ele ainda comentou sobre eu ter visto ele na noite anterior. Eu comentei sobre o sangue e ele disse que era de verdade, que ele estava lidando com "carne". O reflexo inexistente, o fato dele pedir sempre permissão pra entrar em casa, a casa dele sem uma gota de sangue da mulher... Tudo isso, você consegue entender?
- Tá dizendo que seu vizinho é a porra de um vampiro? Tipo em "A hora do espanto"?
- Nã... Sim, quase isso!
- Eu entendo você pensar que seu vizinho é um assassino, ou algo do tipo, afinal quem nunca imaginou isso? Mas um vampiro? Cara, isso não faz sentido.
- Bem, poderia não fazer, se...
- Se o quê!?
- Se ele não tivesse me contado o que fez com a garota!