Aqui estou eu em frente ao prédio antigo, aquele mesmo que eu achei tão estranho da primeira vez. Meu coração aqueceu no peito me trazendo a realidade daquele momento.
Eu estava ali parada há quanto tempo? Porque estava com aquela sensação estranha na garganta? Algumas palavras não ditas tinham tanto poder sobre mim?Finalmente dei alguns passos pensando se deveria entrar, na verdade eu sei que ali eu tentava criar coragem, aquela necessária para encarar seus olhos embriagados de amor, culpa e dor.
Culpa... e Dor.
Você me ensinou a não ser covarde e assim mais uma vez o faria.
Nem que dessa vez fosse a última.Subi as escadas que rangiam, aquelas mesmas que tantas vezes te fizeram rir e por outras tantas te fizeram perder a paciência, eu consigo me lembrar de todas elas, você acreditaria se eu te dissesse?
Passei pelos corredores descascados de carvalho antigo e agora estou parada em frente a sua porta. Numero 348. Nossos números da sorte. A mesma porta que um dia também foi minha.Percebo finalmente o mal que aflige minha garganta, ela está completamente seca, como o deserto. Minhas mãos em vão envolvem meu pescoço e eu tento puxar o ar pela traqueia dolorida, e só consigo sentir cinza. Como o a fumaça do seu cigarro.
Seu nome volta a minha mente e o coração aperta forte o suficiente pra me fazer lembrar que a nada poderia doer mais além da sua ausência.Sinto uma pontada aguda na coluna me fazendo perder o equilíbrio e pender sobre a porta antes de conseguir abri-la. Um ar gelado se espalha por todo meu estomago e sinto o vazio começar a criar lar onde antes haviam borboletas. Sinto a pele queimar, como da primeira vez que você deslizou gentilmente os dedos me fazendo corar como uma alma inocente percebendo a existência do universo.
A maçaneta aberta faz a porta se arrastar devagar. Não, eu não devo voltar agora.
Você me ensinou dentre tantas coisas a não ser covarde e assim o faria agora.
O velho piano marrom está no canto esquerdo do quarto, alguns manuscritos meus e partituras suas estão sobre ele. Você deixou tudo espalhado de novo, não é amor? O sorriso familiar que vem sempre que penso em você se manifesta.
Perto da única janela pequena sempre fechada, brilhava em vermelho o letreiro neon de hotel barato de beira de estrada que eu tanto achava charmosa,"Essa luz é mágica, te faz ficar super poderoso".
Perdi a conta de quantas vezes essa piada sem graça te arrancou um sorriso, mesmo depois de um dia difícil e cansativo. Mesmo depois de tantos nãos ao seu talento gentil. Mesmo quando sua mãe voltava a sua mente em visitas noturnas e você nunca se sentia bem depois de acordar. Não consigo quantificar todas as vezes que fizemos amor sob essa luz, tantas vezes gentil como uma brisa de fim de tarde quente, e tantas outras vezes vorazes como um furacão na tempestade.
Suspirei e seus olhos voltaram a minha memória, o meu maior motivo. Minha maior dor.
Sentia a dor latente e palpável do erro novamente, como se tivesse voltado exatamente naquele momento terrível em que você me questionou lealdade e eu falhei miseravelmente, sem coragem de me desculpar e dizer que a culpa era completa e totalmente minha.Que por fraqueza me deixei embriagar por outros olhos que não fossem os seus.
Por me perder dentro de outros braços e deixar que outras mãos me tocassem quando as suas mãos eram meu lar. Minha verdade.Senti muita vontade de te chamar de "amor" outra vez, e assim ser eu mesma. De poder segurar sua mão quentinha nos bolsos do seu suéter enquanto voltamos de nossos passeios na cidade fria. Senti uma centelha da paz que só o seu sorriso me trazia, e isso foi como uma rosa frágil e solitária em meio á guerra profana.
Ouvi seus passos no final do corredor. A realidade me chamou mais uma vez para aquele momento.
Seu rosto era frio e solitário quando te vi entrar no quarto velho, deixou as chaves sobre a mesa e caminhou devagar até a janela com brilho vermelho, eu sorri mesmo sentindo dor.
"Meu super herói", meus lábios não conseguiram emitir som algum.
Sabe, amor... eu daria o mundo para poder tocar seu rosto agora.
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Doce e Amargo.
Fanfiction"Nae gieogui guseok, Han gyeote jarijabeun galsaek piano..." "Em um canto da minha memória, há um piano marrom encostado à parede..." - Songfic inspirada na música First Love, do album Wings. Quando um erro acontece e a dor da perda é maior do que...