Certo dia, eu germinara de uma semente trazida ninguém sabe de onde, em forma de um pequeno raminho, em um pequeno planeta. Ainda não estava pronta, mas já sabia que seria bela, miraculosa.
Abrigada em meu aposento verde, vestia-me lentamente, ajustava a posição de minhas pétalas uma a uma e escolhia minhas cores escarlates caprichosamente. Afinal, não queria sair amarrotada como as papoulas!
Hoje, vejo que estava sendo tola, mas na época eu estava determinada aparecer somente no total esplendor de minha beleza, e não cessei os preparativos de me embelezar até aquele fatídico nascer do Sol, dias depois. Lembro-me dele como se fosse ontem.
— Ah! — exclamei ao me deparar com o Pequeno Príncipe e seus grandes olhos atentos. Contente por ter um admirador, fingi um bocejo charmoso e continuei, sem modéstia alguma: —Acabei de acordar… Peço-lhe perdão… Ainda estou toda despenteada…
— Como você é bonita! — ele sorriu, fascinado. Senti-me envaidecida. Fora a primeira vez que conheci a sensação que causam os elogios. Isso foi meu presente… e minha ruína.
— Sou, não sou? — respondi docemente, consciente da minha perfeição e esplendor. — Eu nasci junto ao sol… — meu adorador fez uma expressão estranha, que não entendi muito bem. Mas depois, sorriu novamente, e percebi que ele estava se apaixonando por mim! — Acho que é hora do café da manhã, será que você poderia fazer a gentileza…?
O Pequeno Príncipe pegou o seu pequeno regador e serviu-me. Voltei minhas faces avermelhadas e jovens para os refrescantes pingos d'água e me saciei. Senti-me tão grata! Ele era tão atencioso! Estava sempre a concordar comigo e a satisfazer meus desejos, vontades e caprichos…
A sensação de ser cuidada e mimada com tanto esmero era adorável. Infelizente, não dei tanto valor à isso quanto deveria; isso adoentou nossa relação e amargurou nosso amor.
Nós sempre ficávamos juntos e conversávamos, ele me contava como era o restante do planeta e como se esforçava para não deixar que nenhum baobá crescesse por lá. Porém, após algum tempo, comecei a desejar mais.
Por que meu príncipe preferia observar o pôr do sol à me observar? Por que ele nunca respondia às minhas perguntas? Por que eu tinha a terrível impressão de que seus cachos dourados eram mais sedosos que as minhas pétalas?
Por que ele nunca desistia de um questionamento após fazê-lo? Era irritante! Por que ele fazia aquela expressão estranha para mim cada vez mais? Por que ele não me elogiava com tanta frequência quanto antes? Por que ele podia passear por todo o planeta enquanto eu precisava ficar parada e sozinha, enraizada ao chão?
Quanto mais me sentia incomodada, mas eu era arrogante.
— Os tigres podem vir com suas garras! — eu mostrava meus quatro espinhos. O Pequeno Príncipe tinha o hábito de me achar delicada demais, e eu insistia em mostrar que era muito valente! Embora não fosse, eu admito agora.
— Não existem tigres aqui no meu planeta. — ele rebateu. Eu detestava quando ele me rebatia e detestava mais ainda não conhecer tanto do mundo quanto ele. Mas como poderia?, estava presa ao solo! — E além disso, tigres não comem plantas.
— Eu não sou uma planta. — repliquei com sorriso suave e falso.
— Perdoe-me.
Agora sim. Prossegui em meus devaneios sem sentido que eu usava simplesmente para preencher o silêncio:
— Eu não temo nem um pouco tigres, mas tenho horror a correntes de ar. Você não teria um biombo? — o príncipe fez aquela expressão estranha. Ergui altivamente a cabeça e ordenei: — À noite, você me colocará dentro de uma redoma de vidro. Faz muito frio aqui onde você vive. As instalações não são boas. Lá de onde eu venho…
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Rosa do Pequeno Príncipe
Short StoryA visão da Rosa na história do Pequeno Príncipe, com todas as suas dores e aprendizados. Assim como ele, a flor vivenciou uma grande aventura.