Três.

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{POV SARAH}

Eu continuaria do lado de fora até finalmente pegar no sono, mas a Mama me obrigou a entrar e me deitar. Fiquei encarando o teto por algumas horas, pensando em coisas relaxantes ou até mesmo o que poderia fazer amanhã. Perto das três horas, consigo escutar a respiração da Emma mais pesada, o que me preocupou muito. Se não fosse o suficiente, ela estava tremendo de medo, e ligando os pontos, ela provavelmente estava tendo um pesadelo. Me levantei cautelosamente e fui até sua cama, colocando minha mão em cima da dela de modo que não a acordaria, mas não deu certo, e ela acordou.
— Emma! — Usei minhas mãos para cobrir a dela, tentando acalma-la. Nunca a vi desse jeito, era algo tão ruim assim? — Você está bem? — Ela dá um suspiro e sorri, obviamente escondendo seu pânico. Posso ser menos inteligente do que ela, mas não sou ingênua. Eu percebi isso.
— Está tudo bem, Sah. Foi só um pesadelo.
— Quer que eu durma com você? Você parece realmente assustada... — Sou acariciada por ela, que se solta de mim e se deita logo depois.
— Não precisa, obrigada. Desculpa se te acordei.
— Tudo bem então...
— Boa noite.
— Boa noite.
Emma virou para o outro lado, e então suspeitei ainda mais, pois assim eu não conseguiria ver seu rosto e que expressão estava fazendo. Eu quero conversar com ela, quero saber o que houve, mas não posso. Pelo menos, não agora, está tarde e não quero fazer com que ela vire a noite.

{POV RAY}

Eu os observei durante a manhã, e devo admitir, o Norman é muito bom forçando um sorriso. Já a Emma... sequer tentava. Desse jeito a Mama acabaria suspeitando ainda mais deles, e isso arruinaria tudo. Preciso fazer eles confessarem que viram o corpo da Conny, mas de maneira que não deixe explícito que eu já sei sobre do que se trata.
— Ray... — A Sarah se aproximou de mim de braços cruzados, olhando para a Emma e as crianças menores.
— O que?
— Você não acha que a Emma está estranha? — Ela apertou um pouco mais os próprios braços, ainda encarando-a. Isso não é bom, nada bom.
Eu achava que a Sah não perceberia por causa da sua personalidade e seu jeito de pensar, mas pelo visto eu estava errado. Não posso deixar ela descobrir, isso a deixaria traumatizada, não conseguiria esconder. Mas mesmo assim... não posso arriscar mentindo agora, já que está óbvio.
— Pra falar a verdade, sim.
— E sem contar que ela acordou no meio da noite super nervosa...
— Eu vou conversar com ela depois. Se ela dizer algo eu te conto.
— Tudo bem. — Por algum motivo ela terminou a conversa com um sorriso, mas depois notei que a Mama estava nos observando, e fiz o mesmo.

{POV SARAH}

O Ray não foi conversar com ela. Isso não significava que não iria, mas eu não consigo esperar, e decidi que eu mesma iria. Ela e o Norman saíram em direção à floresta, mas, se o Norman iria com ela... tinha algo acontecendo. Não tem nada haver com o pesadelo da Emma, até porque ele dorme em um quarto diferente do nosso. Eles estão escondendo algo? Algo... perigoso? Pesadelos podem ocorrer por causa de acontecimentos reais também. Talvez... seja melhor espiona-los. Não vou perguntar nada.
Fui atrás deles com alguns metros de distância, da maneira mais silenciosa possível. No fim dessa rota, eles chegaram... na cerca?
— Se traçarmos um diagrama do local, temos a Casa no meio e o portão aqui. Por fim, temos a floresta que nos cerca. — Norman dizia e desenhava algo no chão, mas não pude ver. Se eu sequer tentasse me aproximar eu seria pega. — Em primeiro lugar, por onde devemos fugir? Pelo portão ou pela floresta?
...fugir? Por que eles iriam querer fugir? Eles são felizes aqui, certo? Todos nós somos. E se isso é um "segredo", eles fugiriam... sozinhos?...
— Acho que pela floresta. O portão só abre durante os envios, e quando ele se abre...
— Eles estão lá. — Eles? De quem eles estão falando? Quanto mais aquela conversa se desenvolvia, menos sentido fazia e mais perguntas eu possuía. — Quando devemos fugir pela floresta? Durante o recreio da manhã, quando podemos ir aonde quisermos? Ou durante a noite, quando a Mama...
— Não pode ser durante um envio! Não podemos permitir mais sacrifícios! — ...sacrifícios? Então... quem vai pro portão é sacrificado? Isso explicaria a expressão deles, a reação de quando voltaram, o pesadelo... não, eu quero acreditar que não é isso. Eu estou entendendo errado. Eles estão bem. Nada aconteceu, é apenas um mal entendido...
— Tem razão. E eu não sei se os mais jovens vão conseguir ficar acordados de noite. — Que droga... eu estou com tanta vontade de chorar, mas eu não posso, isso vai fazer barulho. "Eles", sacrifício, fuga... eu não entendo. Eu quero uma explicação. Eu não quero sair daqui sem um porquê. — Então está decidido. Vamos fugir de dia pela floresta, se é que isso é possível.
— Tudo depende do que há além da floresta.
Ambos começaram a correr e pular a cerca, e eu fiz o mesmo, sem hesitar. Eu quero saber do que eles estão falando, não posso tomar decisões precipitadas. Não vou pensar demais no que dizem até que finalmente expliquem tudo isso, detalhe por detalhe.
Eles param de correr, chegando em um muro. Um muro feito cem por cento de pedra, extremamente liso, provavelmente para ninguém tentar escala-lo. Isso está cada vez mais estranho... a Mama sabe disso? Talvez eu deva pedir sua ajuda, perguntar disso? Se bem que ela iria brigar com nós  três, que atravessamos a grade sem sua permissão. E se ela já saber disso? E se souber, por que ela não contou pra gente? "Eles" estão a obrigando, ou é por vontade própria? Eu não sei. Eu realmente não sei. Não sei se somos mortos instantaneamente, se somos torturados, vendidos, usados, eu não sei de verdade...
— E então? Está vendo algo aí de cima? — Emma escalou uma árvore para checar o que tinha do outro lado do muro, mas a árvore não parecia ser alta o suficiente.
— Nada... — "Nada"? É sério? Nenhuma coisinha? Árvores, casas, pessoas, animais... nada?  — Mas este muro tem um ou dois metros de grossura. E é bem alto...
— Mas não tem guardas. É bem quieto. — Certo... não pode ser apenas esse muro. Se isso for algum tipo de tráfico infantil não arriscariam apenas isso, com certeza pensariam na possibilidade de criarem uma escada, uma corda, ou simplesmente destruir esse muro de alguma maneira. É fácil fugir sabendo desses sacrifícios. Talvez armadilhas? Algum tipo de arma automática ou... — O que você acha, Emma?
— Ele é bem firme, resistente. Não tem dobras, ou qualquer tipo de junção. A superfície é totalmente lisa. Ninguém consegue escalar um muro desses.
— Então é melhor desistir?
— Mas é essa a impressão que o muro quer nos passar. Tanto eu quanto você conseguiríamos escalar o muro com uma corda.
— Não vejo sinal dos demônios. — Demônios... era só o que me faltava... parece que quanto mais eu escuto esses dois, mais paranoias decidem aparecer. Se são demônios, pode ser muito pior do que apenas a morte... — A única que nos observa é a Mama. Então não temos do que ter medo! — É sério isso? Como eles conseguem ficar tão calmos nessa situação, principalmente o Norman! Eles têm noção do que estão falando? Se esses demônios forem iguais aos dos contos, podem comer até mesmo nossas almas...
O sinal da Casa toca, e me escondo de imediato. Eles voltaram correndo, mas eu não podia voltar junto com eles, suspeitariam de mim. Eu corri em um local aleatório da floresta na qual eu pudesse ficar, e fiquei ali, esperando a Mama ir me buscar. Ela sempre vai atrás das crianças caso não apareçam. Não se passaram nem cinco minutos direito, e já fui levada de volta. Os menores estavam preocupados comigo e com a Naila, então os abracei para acalma-los.
— Calma gente! — Dei algumas gargalhadas e acompanhei a Mama para dentro, mas enquanto passei por aqueles dois, pude ouvir uma única coisa.
— A Mama... é a nossa inimiga.
A Mama... não, não não não... ela sabe... nós...
— Sah? — Phil puxou minha blusa, preocupado comigo. Eu deixei escapar meu desespero por um momento, preciso tomar mais cuidado em relação à isso.
— Ah, eu acabei me distraindo! — Sorri e continuei andando, tentando disfarçar.
Não saí de dentro do banheiro quando cheguei, me tranquei lá dentro até que meu coração estivesse mais calmo. Eu não podia acreditar. Eu amava tanto ela, mas mesmo assim, ela sabia que iríamos morrer, que a Conny iria morrer. Eu quero acreditar que são esses "demônios" que estão forçando ela, quero que ela realmente nos ame, não quero que tudo isso seja mentira. A Mama nos ajudaria a escapar se tentassemos, certo? No fundo ela é uma boa pessoa, não é? Pensando de um jeito otimista ou pessimista, eu chorava de qualquer jeito. Se eu já não conseguia dormir, hoje seria ainda pior. Eu estou com medo de dormir, mas também estou com medo de ficar acordada. Não sei fingir bem que nem o Norman e a Emma na frente da Mama. Eu não sei nem se eu vou conseguir fugir junto com eles... não sei se eles realmente vão me levar. Eu não...
— Sarah? — O Ray bate na porta do banheiro enquanto me chama. Fiquei tão preocupada em não deixar as pessoas notarem minha atitude que não pensei na possibilidade de notarem meu sumiço. Limpei meu rosto e respirei fundo, para que minha voz não soasse rouca e deixasse óbvio que eu estava chorando.
— Sim?
— Faz quase quarenta minutos que você tá aí dentro. Tá tudo bem?
— Tá sim! Não precisa se preocupar.
— Certo... daqui a pouco a janta vai ficar pronta, vê se aparece.
— Acha mesmo que eu perderia a hora do rango? — Consigo ouvir ele indo embora logo depois.
O que eu faço? Não posso ficar escondida, eu não costumo ser assim diariamente e a Mama com certeza notaria, assim como o restante. Mas o medo de ser descoberta... eu preciso pelo menos tentar. De um jeito ou de outro, situações como essa irão acontecer, e não saberei como agir no futuro se eu nunca tentar.
Continuaria trancada por mais alguns minutos, mas o sino foi tocado e o Ray avisou que a comida estava pronta. Lavei meu rosto, controlei minha respiração, e assim, finalmente saindo dali. Fui correndo até a mesa e me sentei, para fazer o mesmo procedimento de toda noite.

Patético (OC!AU)Onde histórias criam vida. Descubra agora