Califórnia 2019 - Frerard

"Sofrimento" por Gerard A. Way

Postado em 12/07/2019

Eu sabia que era uma má ideia ceder ao plano dos meus pais de me mandar para a viagem de formatura do ensino médio. Sabia que se sentiam culpados por ter repetido um ano por problemas psicológicos causados pelo divórcio deles, então, queriam me dar uma chance de me enturmar com mais pessoas da minha sala, além do meu irmão e do meu melhor amigo. Mas quando adentramos no quarto e percebemos que não havia as beliches que havíamos sido prometidos, fazendo com que um de nós tivesse que ir para outro dormitório, me arrependi de todas as maneiras possíveis.

As coisas só pareceram piorar quando questionamos a professora responsável e a resposta dela foi que Mikey dividiria o quarto com Frank Iero.

Bem, quem é ele? Um merdinha da melhor qualidade.

Não costumo usar esse tipo de linguagem para me referir a outras pessoas, a não ser que elas tenham feito algum mal muito grave. Porém, preciso abrir uma exceção.

Ele era uma das pessoas mais irritantes que já conheci. Sempre fazia piadas sem graça, apesar de nunca ofender ninguém com elas. Eram apenas sempre na hora errada. E falava muito, sobre todo e qualquer assunto que lhe fosse interessante.

Enfim, nenhum de nós gostava dele. Concordávamos que era melhor manter o máximo de distância possível. Por isso, meu irmão começou a reclamar no mesmo instante em que recebemos a notícia.

- Eu não posso ficar uma semana com ele. Não dá!

- Você não tem muita escolha. As camas são pequenas demais para nós dois dormirmos.

- Mas, Gee...

- Vai ser só uma semana.

- Ray, você não quer ficar com o Frank? Deixar um quarto só para os 'Way'?

- Com todo respeito, nem fodendo - cruzou os braços, para mostrar que não iria ceder.

- E você, Gee?

Aqui vai um fato sobre os irmãos mais novos: eles sempre, sempre mesmo, conseguem o que querem. E alguém paga por isso. Sempre os irmãos mais velhos.

Poderia ter negado. Fazer com que sofresse. Contudo, fui fraco. Seu olhar implorando por pena fez com que cedesse.

Suspirei, prevendo o que teria de enfrentar.

- Você me deve uma.

- Vai fazer isso por mim?

- Por você e pelo direito de usar seu videogame o quanto quiser até sairmos de casa. E você vai fazer minhas tarefas por um mês.

Aquela troca não valia tanto, entretanto, ele parecia desprezar muito a presença de Frank, pois logo aceitou. Ele tinha muita sorte em eu ser um irmão muito amoroso.
Peguei minha mochila e me arrastei em passos lentos até o quarto que teria de dividir com o pequeno demônio.

Encontrei-o sentado no chão, apoiado em sua bolsa e mexendo no celular despreocupadamente.

Quando fui abrir a porta, me encarou através das mechas escuras que caíam sobre seu rosto e falou:

- Acho melhor não entrar aí. Vamos ter que ir para outro quarto.

- Por quê?

- Uh, a limpeza desse lugar é horrível e encontrei uma coisa que adolescentes não deveriam encontrar em hipótese alguma. Então, chamei nossa professora e ela foi falar com a gerência. Agora temos que esperar.

Não tinha como isso piorar. Naquele momento, minha vontade foi de sair correndo e pegar um avião de volta para casa. Infelizmente, estava preso ali e com ele. Então, tudo que fiz foi sentar e começar a mandar várias mensagens xingando Mikey e amaldiçoando meus pais.

Ele tentou puxar assunto algumas vezes, porém, estava totalmente sem paciência e apenas ignorei. Sabia que estava sendo um babaca, mas não conseguiria aturá-lo com tudo que estava acontecendo.
Pelo menos, ele não era um daqueles riquinhos insuportáveis. Caso não tenham lido minha história sobre a escola, vou dar um pequeno resumo. É um colégio particular com os herdeiros das maiores empresas da cidade. A maioria era tão mesquinha que não dava para aguentar. Frank, ao menos, dizia que se tivesse que se gabar por ser rico seria quando tivesse o próprio dinheiro, e não o de seus pais.

Esperava que esse dia nunca chegasse.

De repente, começou a falar sem parar sobre música. Não sabia se tinha visto o aplicativo de música aberto no meu celular ou se só gostava de falar sem parar sobre isso, mas não parecia parar nem pelo meu claro desinteresse.

A voz dele seria muito boa, se não fosse extremamente irritante. Seria bom não odiá-lo, teria sido interessante escutá-lo falando sobre o que gosta.

Pena que isso não iria acontecer porque Frank é irritante e eu sou um babaca.

Ele continuou a falar e continuei a ser o mais rude o possível ignorando-o. Até que nossa professora chegou e nos chamou para o novo quarto.

- Conversei com a gerência do hotel e, bom, eles concordam que esse foi um incidente muito infeliz, o qual seus pais não precisam saber. Por isso, concordaram em dar um upgrade de quarto para vocês e acesso à piscina e sala de jogos para todos os alunos sem custos adicionais. Seus pais já pagaram muito caro por essa viagem, não precisam se estressar.

- Tudo... bem.

- Parece que ter encontrado uma camisinha suja não foi tão ruim assim, apesar de ter sido a coisa mais nojenta e traumática que já vi.

Ele me deu um empurrãozinho de leve e riu. Dei um sorriso fraco e tentei não pensar em como era suspeito essa súbita melhora na minha situação. As coisas não poderiam ser tão fáceis assim.

- Meninos, é aqui, fiquem a vontade e, lembrem-se, não é necessário espalhar por aí o que aconteceu. Certo?

Murmuramos um sim enquanto fitávamos a grande porta branca que tinha muito mais detalhes que as outras.

Ele girou a chave lentamente, como se estivesse tentando manter o mistério do que nos aguardava.

- Pronto?

Ao adentrar o local, ficamos totalmente boquiabertos. Era enorme. Com certeza cabia três dormitórios normais dentro daquele lugar. Aquilo devia ser uma suíte presidencial ou algo do tipo, não fazia a menor ideia. Meus pais sempre pagavam uma suíte normal para Mikey e eu, então, nunca tinha sequer entrado em um local como aquele.

Frank parecia tão surpreso quanto eu, já que logo começou a andar animadamente ao redor do lugar.
Porém, meu olhar se fixou em um ponto extremamente assustador. A cama grande, alta e única. Não havia mais nenhuma cama, nem sofá.

- Não, não, não!

Comecei a procurar desesperadamente, porém, nada encontrei.

Sabia que estava tudo muito bom para ser verdade. Agora teria que dormir com ele?! Não, preferia dormir no chão.

- Cara, tem uma banheira enorme aqui!

- Só tem uma cama... - interrompi.

O sorriso dele morreu lentamente enquanto me encarava.

- O que vamos fazer?

- Não vamos dormir juntos! - respondi rapidamente.

Talvez até rápido demais.

- Uh, um de nós vai dormir no chão?

Queria dizer que ele merecia dormir no chão, contudo, a verdade era que não merecia. Não tinha nada a ver com a aversão que tinha por ele, era tudo culpa minha.

Apenas o odiava por existir, nunca fizera nada que me prejudicasse.

- Você que conseguiu esse lugar, é justo que fique com o mais confortável.

- Tem certeza, Gerard?

- Sim, sim. Agora vou procurar meu irmão.

E é por isso que esse post se chama sofrimento. Hoje é apenas o início de uma longa semana de sofrimento.