Capítulo Dois

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A tarde estava mais fria naquele dia e Nath, sempre muito curioso, observou o mais velho folhear um livro com bastante entusiasmo.

- Que coisa mais chata! - Queixou-se o fantasma.

- Aaaaaaah! - Gritou o garoto, assustado - Você estava aí esse tempo todo?! - Indagou um tanto enfurecido.

Nath sorriu, estava no alto de uma árvore, sentado sobre um galho e balançando as pernas para frente e para trás. Endireitou o corpo e disse:

- Como consegue ler isso? Não tem figuras! Ora, que coisa, não tem nem mesmo um dragão ou um cavalo!

O fantasma pulou do alto e caiu feito uma pena, aterrissando ao lado de Dylan.

- Esse não é um livro de fantasia - Respondeu, largando o livro dentro da mochila - E você não me respondeu, há quanto tempo está me espionando lá de cima?

Nath se sentou na grama e esticou a cabeça para espiar dentro da mochila, e perguntou:

- Que livro é esse?

- É... bem, se chama...

- Veja! Uma bicicleta! - Disse admirado, e correu até uma cerca de madeira, onde a bicicleta estava presa por um cadeado.

- Sabe, isso é muita falta de educação... você sabia disso?! É falta de educação não prestar atenção nas... ah, esquece! - Fechou o zíper da mochila e andou com passos pesados até o menino que já se dirigia até a bicicleta.

- Faz tempo que não vejo uma dessas...

- Isso não é seu, e aliás, ela está... - Dylan arregalou bem os olhos quando viu o fantasma arrebentar o cadeado como um passe de mágica - presa... - concluiu, boquiaberto - como você fez isso?

- Vem! Vamos dar uma volta, primeiro sou eu! Falei primeiro!

- Espera! Você não pode!

Naquele momento, pouco importava a quem pertencia a bicicleta, Dylan estava mais preocupado em como iria explicar para as pessoas (que não conseguiam enxergar o menino fantasma) como uma bicicleta estava se movimentando sozinha pelo parque.

- Chega! - Disse - Isso não é responsabilidade minha, não tenho que cuidar de pirralhos, muito menos um morto - Olhou, aturdido, Nath acenando com uma das mãos enquanto descia por uma rampa para cadeirantes.

Porém o menino não podia deixar de pensar que seria um problema muito grande caso as pessoas vissem uma bicicleta andando sozinha por aí. Ele não era responsável, de fato, porém se aquele fantasma continuasse agindo dessa maneira Dylan poderia ter problemas futuramente, uma vez que o fantasma o estava seguindo. "Mas como eu vou alcançá-lo agora? E mesmo que o alcance, como vou fazê-lo parar de andar e largar a bicicleta?", pensava Dylan começando a sentir um forte incômodo em seu peito. "Se eu não fizer nada vou acabar chamando atenção das pessoas uma hora ou outra... E, nossa, como eu odeio as pessoas me olhando!". Enquanto ficava parado ali, observando a bicicleta se afastar, pensando em tudo isso, o incômodo em seu peito foi crescendo, fazendo uma espécie de pressão interna, ficando cada vez mais forte conforme os pensamentos aceleravam em sua mente. Sua preocupação e raiva cresceram tanto que ele fechou os olhos, apertou bem forte suas pálpebras e então silenciou tudo em sua mente com um grito interno que só ele podia ouvir: "PARA! Sua bicicleta maldita!".

Ouviu-se o tilintar de metal contra metal e um grito de medo.

Quando abriu novamente os olhos, ao procurar o fantasma, o viu jogado ao chão, com uma cara muito triste, e a bicicleta em pedaços à sua frente.

- Eita porra... - Disse Dylan em voz alta sem querer. Correndo até o garoto fantasma ele continuou - O que aconteceu, Nath? Você está bem? Se machucou?

- Eu... Eu estou profundamente triste, eu só queria andar um pouquinho, já fazia tantos anos - Falou o fantasma quase como se fosse chorar.

- Tá, mas você está bem? O que foi que aconteceu? Você bateu em alguma coisa?

- Não seja burro, Dylan, eu estou morto, claro que estou bem, não posso me machucar, não mais - Disse Nath com muita aspereza em sua voz - E não sei o que aconteceu, eu estava andando normalmente e de repente todas as peças se soltaram e a bicicleta simplesmente se desfez, cada pedaço para um lado.

- Não pode ser... - Sussurrou o garoto totalmente pasmo com o que acabara de escutar.

- O que você disse? - Perguntou Nath.

Mas o garoto nem prestou atenção em sua pergunta, estava completamente imerso em si mesmo tentando entender como seria possível... Ou melhor, pensando na probabilidade de tudo ser apenas uma coincidência. Mas não, não poderia ser, é muito baixa a chance disso acontecer assim, deveria ter sido mesmo ele, mas como? Nenhum princípio físico poderia explicar tal coisa. Afinal, ele só pensou umas poucas palavras, não moveu nem um músculo sequer.

- Não, definitivamente não pode ser - Pensava agora em voz alta - Seria preciso uma certa quantidade de energia para se quebrar uma bicicleta dessa maneira, de onde teria vindo tal energia?

- Do que é que você está falando?

- Talvez alguma trepidação no chão possa ter rompido os ligamentos das diversas partes... - Continuou Dylan, ignorando o fantasma - Não, não tem como, o chão daqui é praticamente grama e é bem plano, não tem muitas irregularidades. Talvez um fantasma pese muito mais do que parece, já que ele quebrou um cadeado usando as mãos, será que é isso?

- Aparentemente está me ignorando, entretido com seus próprios pensamentos, mas para sua informação você está errado, eu posso ser forte, mas não peso mais que uma pena, talvez até menos que isso - Falou o fantasma, que prestava uma atenção muito curiosa em seu amigo aparentemente meio maluco.

- Interessante, mas se fantasmas não pesam nada então estou ficando sem opções. É muito improvável que as peças já estivessem soltas, a bicicleta teria se desfeito assim que Nath subiu nela. Só me resta uma opção, mas não tem como... - Dylan parou de falar e um semblante de preocupação, espanto e surpresa começou a tomar conta de seu rosto - Se eu posso ver fantasmas então por que não?

- Dylan... - Chamou o fantasma, agora um pouco preocupado também - O que está acontecendo?

- Ah não ... - Com os olhos arregalados e uma expressão de pura surpresa o menino concluiu - Fui eu que fiz isso! Eu posso controlar as coisas com a mente, puta que pariu!

O Arauto do ColapsoOnde histórias criam vida. Descubra agora