Canção de Ninar

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                    Segundo a segundo, meu coração enjaulado pulsa. Recolhida em um avassalador universo sombrio em meio a madrugada, ambas as engrenagens do destino e da minha imaginação giram. O dia e a noite se invertem, em um pesadelo revestido pelo tempo.

                   E é então que ele surge; escondido na penumbra, assistindo meu coração se despedaçar. Sorri com prazer ao ver o pavor me dominar, pois o aroma do frágil medo o agrada. Suave como uma sombra, ele se arrasta até meu leito, sonhando em me consumir. Suas garras sobem por minhas pernas, enquanto cada um dos meus músculos se retrai em defesa. O horror em meus olhos o atrai cada vez mais, e quando percebo, estou prestes a me tornar uma de suas trágicas vítimas.

                    Já me encontrava febril ao enfim tomar coragem e encarar o demônio que se pusera sobre mim. Queria gritar, porém seus lábios frios calam os meus. Não posso lutar, pois seu corpo disforme domina meus movimentos. "Não se debata", ele diz com crueldade. "Ou apenas irei me fundir cada vez mais a você". Sujeita a tamanha violência, me canso quando uma lágrima gélida e desesperada escorre pela minha face, e é assim que acabo permitindo que nos tornemos um só; a perfeita imagem do pânico humano.

                    Possuída pelo ser hediondo, me olho no espelho, e me deparo com minha realidade se distorcendo diante de mim. Quando meus dedos tocam o reflexo etéreo, meus pulmões passam a clamar por mais ar em uma velocidade cada vez mais assombrosa. Observo com cuidado minha imagem cinzenta se encharcar em suor, enquanto minhas forças se esvaem aos poucos. Desoladamente, choro ao implorar por uma luz que silenciasse as trevas das minhas inúmeras vozes, porém, tal consolo não seria capaz de chegar até minha alma.

                    Foi então que desperdicei meu último grito e minha última lágrima; a perturbação que se fundira a mim havia devorado minha sanidade. Me canso pela segunda vez, e antes que o vazio me preencha, fecho os olhos na esperança de que minha deturpada realidade se desfaça, me entregando aos braços pacíficos de um anjo sorridente. Porém, em meu último suspiro desenfreado, me lembro de que o amanhã pode ser a única chave para minha desejada realidade inquebrável.

               

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