Capítulo Quatro

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Passou pouco menos de uma hora até o som agudo voltar a tocar, era hora do intervalo. A cantina logo se encheu de adolescentes famintos: dos mais bagunceiros aos mais quietos. Uma fila enorme se estendeu até a porta, e no fim dela estava Dylan, que em seus pensamentos dizia: "Aquele fantasma... onde será que ele está? Será que ficou chateado? Zangado? Ah... e por que eu me importo?"

- Eae, Tyler! - Exclamou um dos "valentões" do colégio.

Tratava-se de um menino alto e magricela, com dentes amarelados e cabeça raspada. Usava moletom e jeans rasgados na barra e nos joelhos. Se aproximou, sem hesitar, do menino que chorava sozinho na sala vazia, que agora estava sentado sozinho em uma das mesas.

- Como ficou seu rosto, hein? - Tornou a se dirigir, em voz baixa, para Tyler, que escondia um ferimento no lábio inferior, um pouco de sangue ainda escorria do machucado - Você tem muita coragem de voltar aqui, sabia? - Prosseguiu, sorrindo valentemente para Tyler.

Dylan observou aquilo de longe, atento, com aquela raiva leve crescendo no peito, esperando a merda acontecer. Mais dois meninos se aproximaram, eram amigos do provocador.

- Me deixa em paz, Ben... - Disse Tyler entre soluços.

- Me deixe em paz, Ben! - Repetiu com escárnio - O que foi, seu gayzinho? Vai! Fala para mim! Repete!

Dylan continuou paralisado, incrédulo, explodindo de raiva, mas sem conseguir se mover para fazer algo, com receio de chamar atenção, pois ninguém mais do refeitório pareceu se importar com aquilo, na verdade, ninguém parecia ver o que acontecia, todos estavam com os olhos vidrados na tela do celular ou na sua bandeja carregada de comida. Alguns pareciam incomodados. Não... com certeza estavam, mas disfarçavam. Dylan resolveu se aproximar, mas algo o impediu:

Quando Tyler ergueu o olhar, seus olhos azuis ficaram vermelhos e ele curvou os lábios em um sorriso. Os dois se entreolharam por alguns segundos e um medo repentino tomou conta de Dylan. "Nath..." pensou.

Tyler virou-se para Ben, que sentiu-se um pouco intimidado. Ele desandou alguns passos quando o fantasma falou através do corpo do desconhecido:

- O que foi, Ben? Vai! Fala para mim! O que aconteceu com a sua coragem! - Um riso enlouquecedor arranhou a garganta de Tyler, e todos voltaram a sua atenção para ele - Fala, Ben! Não me ignore, Ben! Me responda! Me responda! Me responda! - À medida que ele gritava a voz mudava, Ben esbarrou em uma mesa atrás dele e arregalou bem os olhos, o ar fugiu dos pulmões e ele parou de respirar.

Nath controlou o corpo de Tyler como uma marionete e avançou no valentão enquanto ria: primeiro ele socou seu rosto, depois, o derrubou no chão e chutou o estômago e o tórax. Nesse momento, Dylan e outros meninos correram desesperados até Tyler, tentando tirar ele de cima de Ben, que continuou imóvel enquanto apanhava.

Assim que os meninos conseguiram afastar Tyler seu rosto pareceu confuso, seus olhos azuis estavam tão acuados como antes e ele olhou para todos os lados como se não entendesse o que tinha acabado de fazer. Todos no pátio da cantina ficaram sem entender, todos exceto Dylan, que tinha visto o fantasma se esgueirar para fora do corpo do menino. Ele ficou imediatamente furioso com Nath, mas não podia simplesmente sair falando sozinho por aí feito louco, teria que aguentar até estar sozinho com o garoto em sua casa.

As aulas seguintes foram torturantes e o tempo parecia se recusar a passar. Nath fez questão de passar o resto do dia olhando para Dylan com aquele sorrisinho de quem sabe que fez merda, ele não parava de falar como foi bom dar uma surra naquele idiota do Ben. Foi realmente muito difícil ouvir o fantasma falar e falar sem parar e agir como se nada estivesse acontecendo, ele passou realmente cada minuto olhando para o celular para ver as horas.

Quando finalmente o último sinal tocou, Dylan recolheu suas coisas e saiu o mais rápido que pôde da escola. Ele andou tão rápido pela rua que seus pés queimavam quando ele chegou na rua do condomínio. Nath, apesar de não se cansar por ser um fantasma, não parava de reclamar, como toda criança:

- Por que andar tão rápido?

O fantasma fez um mergulho no ar, avistando uma Shih-tzu brincar com vento. Nath voltou-se para o mais velho e disse:

- Dylan, olha, um cachorro, posso ir até lá e... Dylan, mais devagar, me escuta... olha como é linda, parece uma cortina de pelos!

Nath se enfureceu, franziu o cenho e olhou fixamente para Dylan, os olhos mudaram de cor e ele exclamou:

- Que saco, Dylan, vamos devagar, olha como o dia está lindo! Olha o céu, como o entardecer é divertido.

Nada parecia chamar a atenção do mais velho, então Nath sorriu novamente e pulou na frente dele, o corpo flutuando feito uma nuvem de tempestade.

- Nossa, você é muito chato, Dylan - Dizia já quase cansado o pobre fantasma, mas resolveu que não seria ignorado e continuou - Dylan, Dylan, Dylan, Dylan, Dylan, Dylan, Dylan, Dylan...

- Que inferno! - Falou alto o mais velho ao perder a paciência, mas logo abaixando a voz - Você é o que, hein, um tipo de demônio? Que porra, cara, ta falando sem parar no meu ouvido o dia inteiro, o caminho inteiro... Você não lembra que não posso falar com você fora do quarto?

- Sim, eu sei - Disse o garoto entre risos - Eu só queria ver até onde você aguentaria.

- Se você não estivesse morto eu te mataria agora mesmo - Bufou o menino ao abrir o portão.

Ainda apressado, mas já sem aguentar seus pés e pernas, ele subiu as escadas devagar, o mais rápido que aguentava. Estava determinado a esclarecer aquela situação da possessão e da violência, mas talvez só depois de um belo banho, pois ele percebia ao entrar em seu quarto que estava bastante suado.

- Escuta aqui, rapazinho, eu vou só tomar um banho porque me sinto nojento e assim que eu sair vamos ter uma conversa séria sobre o que você fez lá na escola hoje.

- Aff, você acaba com toda minha diversão... tudo bem então, vai lá. - Disse Nath dando pulinhos de alegria.

Enquanto o garoto ia tomar banho, o fantasma ficou na varanda observando o sol se pôr e a lua se elevar no horizonte. Ele se sentia orgulhoso e feliz pelo que fez, não queria deixar Dylan estragar isso com todo seu mau-humor e preocupações chatas.

O Arauto do ColapsoOnde histórias criam vida. Descubra agora