Proêmio

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1. A Mãe Igreja reconhece com fé firme, acolhe com alegria, celebra e adora com veneração o sacramento da Redenção na Santíssima Eucaristia , anunciando a morte de Cristo Jesus e proclamando a sua ressurreição até que Ele venha na glória como Senhor e Dominador invencível, Sacerdote eterno e Rei do Universo, para oferecer à majestade infinita do Pai omnipotente o reino de verdade e de vida .

2. A doutrina da Igreja sobre a Santíssima Eucaristia foi exposta com sumo cuidado e a máxima autoridade ao longo dos séculos, nos escritos dos Concílios e dos Sumos Pontífices; porquanto nela está contido todo o bem espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa Páscoa , fonte e cume de toda a vida cristã ; e a sua influência é determinante nas próprias origens da Igreja . Recentemente, na Carta Encíclica «Ecclesia de Eucharistia», o Sumo Pontífice João Paulo II voltou a expor sobre o mesmo assunto alguns aspectos de grande importância para o contexto eclesial da nossa época.
Para que também nos dias de hoje a Igreja tutele um tão grande mistério, especialmente na celebração da Sagrada Liturgia, o Sumo Pontífice dispôs que esta Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos , em colaboração com a Congregação para a Doutrina da Fé, preparasse esta Instrução, para tratar algumas questões concernentes à disciplina do sacramento da Eucaristia. Por conseguinte, tudo o que se expõe nesta Instrução deve ser lido em continuidade com a citada Carta Encíclica «Ecclesia de Eucharistia».
Todavia, o que se pretende não é tanto exarar o compêndio de todas as normas relativas à Santíssima Eucaristia, mas antes, para reforçar o sentido profundo das normas litúrgicas , retomar nesta Instrução alguns elementos da normativa já exposta e estabelecida que continuam a ser válidos, e estabelecer outros que explicitam e completam os precedentes, ilustrando-os aos Bispos, bem como aos Presbíteros, Diáconos e a todos os fiéis leigos, a fim de que cada um os ponha em prática segundo o seu ofício e possibilidades.

3.
As normas contidas nesta Instrução aplicam-se à Liturgia no âmbito do Rito romano e, com os devidos ajustamentos, dos outros Ritos da Igreja latina juridicamente reconhecidos.

4.
«Não há dúvida de que a reforma do Concilio trouxe grandes vantagens para uma participação consciente, activa e frutuosa dos fiéis no santo Sacrifício do altar» . Contudo, «não faltam sombras». E assim não se podem silenciar os abusos, por vezes da máxima gravidade, quer contra a natureza da liturgia e dos sacramentos quer contra a tradição e a autoridade da Igreja, que não raramente nos nossos dias, neste ou naquele âmbito eclesial, comprometem as celebrações litúrgicas. Em alguns lugares, os abusos cometidos em matéria litúrgica tornaram-se um hábito o que, obviamente, não pode ser admitido e deve cessar.

5.
A observância das normas emanadas pela autoridade da Igreja exige conformidade de pensamento e de palavra, dos actos externos e da disposição de ânimo. Como é evidente, uma observância puramente exterior das normas estaria em contradição com a essência da sagrada Liturgia, na qual Cristo Senhor quer reunir a sua Igreja para que seja com Ele «um só corpo e um só espírito» . Eis porque a acção externa deve ser iluminada pela fé e pela caridade que nos unem a Cristo e uns aos outros e geram o amor pelos pobres e pelos aflitos. Além disso, as palavras e os ritos da Liturgia são expressão fiel, amadurecida ao longo dos séculos, dos sentimentos de Cristo e ensinam-nos a sentir como Ele ; conformando a nossa mente àquelas palavras, elevamos ao Senhor os nossos corações. Tudo o que se diz nesta Instrução pretende conduzir a essa conformidade dos nossos sentimentos com os de Cristo, expressos nas palavras e nos ritos da Liturgia.

6.
De facto, esses abusos «contribuem para obscurecer a recta fé e a doutrina católica sobre este Sacramento admirável». Deste modo, impede-se também «que os fiéis revivam de algum modo a experiência dos dois discípulos de Emaús: "abriram-se-lhes os olhos e reconheceram­no"» . Com efeito, convém que todos os fiéis nutram e manifestem aquele sentido da adorável majestade de Deus que receberam através da paixão salvadora do Filho Unigénito, já que estão diante do poder e da divindade de Deus e do esplendor da sua bondade, particularmente manifesta no sacramento da Eucaristia .

7.
Não é raro que os abusos tenham a sua raiz num falso conceito de liberdade. Deus, porém, concede-nos em Cristo não aquela ilusória liberdade pela qual fazemos o que nos apetece, mas aquela liberdade, pela qual possamos fazer o que é digno e justo . E isto não vale apenas para os preceitos dimanados directamente de Deus, mas também, considerando convenientemente a índole de cada norma, para as leis promulgadas pela Igreja. Daí a necessidade de que todos se conformem às normas estabelecidas pela legítima autoridade eclesiástica.

8.
Deve ainda notar-se com grande mágoa a existência de «iniciativas ecuménicas que, embora generosas nas suas intenções, conduzem aqui e ali a práticas eucarísticas contrárias à disciplina com que a Igreja exprime a sua fé». O dom da Eucaristia, porém, «é demasiado grande para suportar ambiguidades e reduções». Por isso, é oportuno corrigir e definir com maior cuidado e clareza alguns elementos, de maneira que também neste âmbito «a Eucaristia continue a resplandecer em todo o fulgor do seu mistério» .

9.
Finalmente, os abusos são fomentados, muito frequentemente, pela ignorância, já que, o mais das vezes, se rejeita aquilo cujo sentido mais profundo se não compreende e cuja antiguidade se desconhece. Com efeito, «da inspiração e do espírito» da própria Sagrada Escritura brotaram realmente «as preces, as orações e os hinos litúrgicos, e é dela que as acções e os sinais derivam a sua significação» . Quanto aos sinais visíveis «de que a Sagrada Liturgia se serve para significar as realidades divinas invisíveis, eles foram escolhidos por Cristo ou pela Igreja». Por fim, as estruturas e as formas das celebrações sagradas, segundo a tradição de cada Rito, tanto do Oriente como do Ocidente, estão em sintonia com a Igreja universal mesmo no que se refere a usos universalmente acolhidos por uma tradição apostólica ininterrupta, sendo tarefa própria da Igreja transmiti-los fiel e solicitamente às gerações futuras. Tudo isto é sabiamente guardado e protegido pelas normas litúrgicas.

10.
A própria Igreja não tem qualquer poder sobre o que foi estabelecido por Cristo e que constitui a parte imutável da Liturgia. Porque, se se quebrasse o vínculo que os sacramentos têm com o próprio Cristo que os instituiu e com os acontecimentos sobre que a Igreja foi fundada , isso de nada aproveitaria aos fiéis, mas antes lhes seria gravemente nocivo. De facto, a Sagrada Liturgia está intimamente relacionada com os princípios da doutrina pelo que o uso de textos e ritos não aprovados terá como resultado o enfraquecimento ou perda desse nexo necessário entre a lex orandi e a lex credendi .

11.
O Mistério da Eucaristia é demasiado grande «para que alguém possa permitir-se tratá-lo a seu bel arbítrio, desrespeitando o seu carácter sagrado e a sua dimensão universal» . Pelo contrário, quem agir assim seguindo as suas inclinações pessoais, mesmo que seja Sacerdote, lesará a unidade substancial do rito romano que deve ser tenazmente salvaguardada e fará acções de modo nenhum consentâneas com a fome e a sede do Deus vivo que o povo do nosso tempo sente; não realizará uma actividade pastoral autêntica nem uma renovação litúrgica correcta, mas antes privará os fiéis do seu património e da sua herança. Com efeito, actos arbitrários não favorecem uma renovação efectiva, mas lesam o justo direito dos fiéis à acção litúrgica que é expressão da vida da Igreja segundo a sua tradição e a sua disciplina. Além disso, introduzem elementos de deformação e discórdia na própria celebração eucarística que, de modo eminente e por sua natureza, visa significar e realizar admiravelmente a comunhão da vida divina e a unidade do povo de Deus . Deles derivam insegurança doutrinal, perplexidade e escândalo do povo de Deus e, quase inevitavelmente, oposições violentas que confundem e entristecem seriamente muitos fiéis, neste nosso tempo em que a vida cristã tantas vezes se torna especialmente difícil, devido ao vendaval da «secularização».

12.
Todos os fiéis, pelo contrário, gozam do direito a ter uma liturgia verdadeira e, em particular, uma celebração da santa Missa que seja tal como a Igreja quis e estabeleceu, e como prescreveu nos livros litúrgicos e noutras leis e normas. Do mesmo modo, o povo católico tem o direito a que se lhe celebre, de modo íntegro, o sacrifício da Santa Missa, em plena conformidade com a doutrina do Magistério da Igreja. Por fim, a comunidade católica tem o direito a que a Santíssima Eucaristia seja celebrada de tal modo que apareça como o verdadeiro sacramento de unidade, excluindo completamente todo o género de defeitos e gestos que possam gerar divisões e facções na Igreja .

13.
Todas as normas e advertências expostas nesta Instrução se relacionam, embora de modos variados, com a missão da Igreja, a quem compete o dever de velar pela recta e digna celebração deste grande mistério. E, finalmente, o último capítulo desta Instrução trata dos vários graus com que cada uma das normas se liga à lei suprema de todo o direito eclesiástico, que é a solicitude pela salvação das almas .

Redemptionis Sacramentum - PPB XVI (Coleção Documentos da Santa Igreja Católica)Onde histórias criam vida. Descubra agora