Necessidade

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A bebida foi derramada no copo tão rapidamente quanto foi bebida. Aquele era seu terceiro copo de conhaque e nem ao menos era meio dia. Sempre achou que era impossível alguém ficar tão triste a ponto de nem enxergar as cores corretamente, mas provou o contrário quando sua esposa partiu.
Já se faziam dois anos e ainda enxergava tudo cinza, sabia que sua mãe e todos seus conhecidos esperavam que o primeiro luto já teria passado, mas ele duvidava que nunca passaria.
Via Margaret em todos os cantos da casa, olhando para o jardim, via facilmente ela correndo e rindo muito. Se olhava para o quarto, via Margaret amamentando o filho. E no seu escritório, via sua esposa brigando com ele por passar tempo demais organizando papéis em vez de passar tempo com ela. E nesse momento, via Margaret passando a mão pela sua barba.

- Eu te amo...

Foi apenas o que deu tempo de dizer antes de ouvir uma batida na porta e poucos segundos depois a porta ser aberta sem ao menos dar tempo dele se levantar.

- Dominic! - sua mãe entrou no quarto com a fúria de um leão - Me prometeu que iria parar de beber!

Dominic se virou para olhar sua mãe, com os olhos sem vida.

- Sabe que não faço isso porquê quero.

Ela se aproximou dele batendo os pés e tirou a garrafa da mesinha perto dele.

Vou dizer a sua governanta para tirar todas as garrafas da casa então!

Antes que pudesse dizer algo, ela foi a janela e afastou as cortinas.

- Esse lugar escuro não vai te deixar melhor! - sua voz era genuinamente brava, mas Dominic sabia que era apenas preocupação.

Dominic colocou a mão na frente do rosto para se proteger do sol, levantando se apoiando nos móveis.

- Mãe, por favor, só me deixe sozinho.

Gabrielle olhou para ele ainda com as mãos nas cortinas e suspirou triste, se afastando da janela. Seus passos se tornaram leves e quando Dominic tirou a mão da frente do rosto, sua mãe já estava a sua frente.

- Filho... eu te deixo sozinho a dois anos... - passou a mão no rosto dele - Deveria encontrar algo que te dê ânimo novamente...

O mais alto fechou os olhos aproveitando o carinho da mãe, não sabia como sentia tanta saudade disso. Involuntariamente passou os braços ao redor da mãe e a abraçou apertado, o que foi retribuído.

- Eu tenho medo de ter te perdido... - a voz de Gabrielle falhava, ameaçando chorar apenas com um abraço do filho. - Eu sei o quanto a amava... mas por favor... não se entregue a isso.

Dominic não sabia o que responder, mas soltou o abraço e olhou para os olhos da mais velha. Ele conseguia ver o pânico em seus olhos e sabia exatamente como era esse sentimento. Se limitou a baixar a cabeça, segurando o choro, enquanto ela pegou suas mãos e segurou com força.

- Vamos, saia um pouco hoje. - riu de desespero - Tem um baile hoje a noite, poderia me acompanhar?

- Se isso vai fazer a senhora me desculpar por ter te preocupado... - algumas lágrimas caíram e sua mãe levantou seu rosto até que ele olhasse para ela.

- Eu não o culpo por isso. Nunca irei culpar. - sorriu sem mostrar os dentes, com as sobrancelhas tristes.

Apenas sorriu da mesma forma em resposta e viu sua mãe pegar a garrafa de conhaque, sair de seu quarto e fechar a porta. Esperou até os passos dela não serem mais ouvidos por ele e se aproximou da janela, olhando o jardim da casa.
E lá estava Margaret novamente, só que dessa vez olhava para ele fixamente. Não sorria e nem corria.

- Eu... me desculpe... - apoiou os braços na janela segurando sua cabeça e se pós a chorar.

Ela apenas se virou e saiu andando. Olhou em volta perguntando se ela apareceria no seu quarto novamente, mas nada, e chorou mais.
Céus, precisava superar aquilo, o passado não mudaria e Margaret não estava viva. Nem seu filho, nenhum dos dois estava vivo e ficar trancado no quarto não mudaria nada. Isso só traria mais dor para sua mãe, e odiava pensar que trazia dor para ela.
E então... foi como se tudo ao seu redor tomasse cor. Ele ainda poderia ter um filho, como não pensou nisso? Sabia que não iria amar outra mulher como amou Margaret mas tinha certeza que iria amar seu filho.
Era isso, precisava se casar de novo e ter um filho. Não gostava da ideia de se deitar com outra mulher, entretanto, era a única forma de conseguir um herdeiro e voltar a querer viver.
~
Clarisse não considerava seu pai um homem forte, ele sempre viveu com bengala e frequentemente ficava com febre. Mas nunca, nunca, imaginaria que ele ficaria naquela situação.
Emerson Lockhart tossia sangue, mal conseguia respirar e perdeu tanto peso que se tornará irreconhecível. Clarisse não podia se aproximar, o médico da família disse que a doença era contagiosa, o que só podia fazer era olhar de longe.

- Pai... - colocou as mãos no rosto, tentando segurar o choro.

Já haviam se passado algumas semanas de que seu pai mal saia da cama. Dr. Hughes saiu da sala para lhe dar privacidade, não conseguia entender como um homem parecia tão calmo sendo que fazia poucos minutos que deu a notícia que seu pai morreria breve.
Assim que a porta se fechou, Clarisse desabou no chão, segurando o rosto e chorando muito.

- Filha... - Não sabia como tinha ouvido a voz do pai, já que estava mais baixa que seu choro.

Levantou o rosto, ainda chorando e se forçou a levantar do chão, se aproximando da cama, mesmo sabendo que não podia. O mais velho colocou a mão no seu rosto e sorriu fraco.

- Por favor... cuide de você. - sua mão caiu na cama e ele voltou a tossir, o que fez Clarisse se afastar.

Rapidamente o médico voltou ao quarto e começou a cuidar de seu pai. Tudo que fez foi sair do quarto ainda chorando.
"Cuide de você", o que diabos aquilo significava? Seu pai cuidou dela a vida toda, como conseguiria cuidar de si mesma ainda mais com ele nesse estado... e daqui algum tempo, nem teria ele.
Foi ao escritório do pai tentando ver se recebia algum consolo do cômodo que Emerson passava tanto tempo. Abriu a porta com cuidado e andou até a escrivaninha que ficava de costas para a janela grande. Estava cheia de papéis, mais do que estava acostumada a ver.
Pegou um e começou a ler. Parecia ser uma cobrança, suspirou nervosa e continuou a ler.
Era pior do que imaginava, seu pai tinha apostado, apostado na corrida de cavalos e nas cartas. Começou a revirar os papéis tentando saber quanto, tinha que ser pouco.
Infelizmente, não era. Quando pegou o papel da aposta, suas pernas ficaram bambas e ela caiu na cadeira.
Ele apostou todo dinheiro que tinham, por sorte, seu pai ainda tinha miolos e não apostou o seu dote.
Agora sabia o que significava "Cuide de você", significava que precisava se casar e logo.

Segunda Esposa - Hiatus (Reescrevendo)Onde histórias criam vida. Descubra agora