Quando chovia, Seoul não era um dos lugares mais belos de se estar.
O apartamento de Taehyung era pequeno, nos subúrbios da capital cinzenta. A chuva incessante batia em sua janela pequena que dava de frente pra um prédio sem vida, era insuportável e até inadmissível — assim pensava o Kim de seus recém 24 anos — que a chuva conseguisse passar por aquele espaço tão estreito entre os prédios e ainda ter a audácia de bater no vidro, como um aviso de que a cidade era mais melancólica do que o costume.
O mofo se espalhava pelas paredes e Taehyung se espelhava no cubículo que chamava de lar; estava apodrecendo aos poucos.
Agora, ele estava sentado no pequeno sofá da sala. Taehyung não tinha expectativas, e de certo modo, isso era agradável à existência, nunca se decepcionava. A TV desligada, não é como se ele visse algo de interessante em jornais ou tivesse algum tipo de tempo pra acompanhar alguma série ou drama. Sentia sua coluna doer por completo, uma dor aguda e agonizante que tentava constantemente ignorar enchendo sua corrente sanguínea com remédios genéricos e baratos. O veludo verde-musgo apenas encostava em suas mãos um tanto quanto calejadas, e por um milésimo, Taehyung quis se sentir amado pela carícias da maciez que tinha aquele sofá, mesmo que já estivesse consideravelmente desgastado.
Os pés envoltos por um sapato social bem engraxado decidiram num ímpeto que iriam sair. Pensou que se ficasse mais um segundo enfurnado entre quatro paredes tão soturnas, iria colapsar.
As roupas eram as de sempre, há muito tempo tinha desistido de ter seu próprio estilo, então furtava dos tons cinzentos de sua cidade, não parecendo nada mais do que deprimente.
Saiu do prédio, pegou as escadas — o elevador parava de funcionar em temporais — que ficavam num hall escuro demais pra que enxergasse dois metros a frente, era silencioso e só a chuva era ouvida, bruta e irritante.
Ao pisar na rua, seus pés forem de imediato em direção a uma poça d'água, nela viu seu reflexo, seus cabelos úmidos assim como suas vestes. Lembrou de seu guarda-chuva. Estava guardado na última gaveta de seu guarda-roupa, quase como que escondido. Morava no 7° andar, eram 7 lances de escada, desistiu de não se molhar.
Andou pelas ruas sem rumo certo, os passos pareciam confiantes mas aquilo não era nada mais do que uma tremenda atuação, deixou as buzinas e faróis dos carros lhe guiarem, a chuva encharcava até sua alma já tão cinzenta, se sentia saturado, faltando pouco para transbordar.
A noite, que nem se desgastava em tentar se difernciar dos dias escuros da cidade tão poluída, lhe deixou náuseas intermináveis, se sentiu acorrentado ao chão, e quando tentou andar, caiu. Os joelhos agora machucados colados na calçada infestada de pedregulhos e de energias pesadas daqueles que eram afogados por Seoul.
Tinha derramado um pouco de sangue ao chão, um pouco era seu e outro quis não se importar, tocou suas feridas com os dedos, uma indiferença imensa, a expressão de seu rosto continuava cansada como sempre.
Ao seu lado, um beco, traiçoeiro o suficiente pra conseguir ser mais nebuloso que o asfalto e prédios sem fim. De lá, surgiu um guarda-chuva, estava molhado. Foi estendido em sua direção, uma mão pálida o segurava, parecia flutuar naquele breu.
Enxergou aquilo como um convite inusitado. Descauteloso, sem medo algum, entrou naquele beco. Lá tinha um garoto, sua pele era clara como a mão que tinha enxergado anteriormente, os olhos eram grandes e pareciam tristes. "Melhor que apáticos" pensou Taehyung. Ele estava encostado numa parede que talvez um dia já foi branca, agora era um cinza sarapintado de tons esverdeados e avermelhados, talvez essas cores e até mesm aquele garoto fossem uma alucinação, o Kim não sabia ao certo.
Saiu de sua cogitação quando a voz suave preencheu o ambiente. "Jeongguk" disse o garoto, sem nenhuma explicação, apenas Jeongguk. Respondeu "Taehyung".
Os pés deles tinham umas botas enormes, estavam molhadas, despejadas fora do guarda-chuva desbotado.
Era possível ver alguma vaidade nele, suas roupas combinavam, seu rosto parecia ser macio e o corpo era em forma, mas definitivamente não era só isso.
Ao colocar os olhos nele, Taehyung se sentiu embriagado. Não demonstrou em momento algum, nem mesmo em um singelo levantar se sobrancelhas, mas, em seu âmago, algo brilhava. Como o sol refletindo na imensidão do mar, podiam ser vistos cintilares, parecendo as notas mais agudas d'um piano velho e qualquer, fazia algo dentro de si ser estridente, cortante.
Jeongguk parecia uma personificação da cidade cinzenta, mas ao invés de se apropriar de toda a escuridão que lhe cercava, parecia vir de dentro. Jeongguk parecia ter desenhando todas as gotas de chuvas que caiam dos guarda-chuvas já úmidos. Ele com certeza roubou todas as cores da cidade e escondeu em um lugar pra não ser achado. Taehyung quis ficar com raiva, não conseguiu. Por ser assim, Jeongguk pareceu tão melhor que si mesmo e ao mesmo tempo tão igual a sua corriqueira melancolia. Jeongguk parecia sentir, até demais, e isso fez com que ao lado do garoto o Kim se sentisse medonho.
Seus sentimentos ficaram confusos até demais, não cogitou lhe pertencer, a hipótese não surgiu em seus pensamentos triviais, mas cada singelo pedaço de seu corpo insistiu em comunicar o contrário, quis ser acariciado que nem o veludo de seu sofá.
O som de uma ambulância qualquer era distante, o barulho dos carros também. A única que se sobressaía era a chuva. Assim, estavam lado à lado. O guarda-chuva estava encharcado e duvidaram de sua eficiência. Tinham lágrimas em ambos os rostos, e nenhum deles pareceu se importar.
Fim.
Essa história é melancólica e sem esperanças. Jeongguk é o brilho, mas é aquela luz branca, que vemos em hospitais, que nos deixa pra baixo, que arranca do mais feliz resquícios de alegria que sobraram. Mesmo assim, o amor deles poderia ser bonito, afinal, amores foram feitos para serem belos, certo?
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wet umbrella.
General Fictioni am like you, still crying just like an umbrella. | one-shot | au