A muralha entre reinos

Capítulo Dez

Era a madrugada seguinte, eu passei o dia trancada no meu quarto, desci apenas para as refeições. Provavelmente a Lady Hillward já achou o corpo de seu marido e lamentava a morte dele, ou não, apenas fingia estar triste e ficou feliz com a fortuna que "ele" deixou na carta de suicídio.

Estava no beco encantado, taquei fogo nas roupas e luvas que eu usei ontem para não deixar pistas, observava o fogo queimar as roupas dentro do barril.

Ouvi passos atrás e me virei colocando a mão na adaga na minha cintura.

- Ei, sou eu.- Mikael disse se aproximando, ele ficou do meu lado e olhou as roupas queimando.

- Vou embora depois de amanhã.

- Por que?- ele me olhou.

- Porque já fiz o meu trabalho, se eu demorar mais do que o prazo que o rei Erwin me deu...

- Mas ainda está na metade da sua segunda semana, ele te deu três.- o garoto não estava errado, eu queria ficar naquele reino por mais alguns dias?

- Não tenho mais nada para fazer aqui, já fiz minha parte.

- Isso magoa o meu sentimento, asssassina. Ainda não te mostrei o reino todo.- me virei e olhei para Mikael.

- Olha, eu me diverti nas duas vezes mas já chega...você é o general de Casina, eu sou uma assassina de Araven, não era para nós estarmos conversando. Ainda não entendo suas intenções mas...é melhor acabarmos aqui.

- Está com medo, assassina?

- Medo de que?

- De gostar da minha presença? De ir contra o que você cresceu ouvindo? Que talvez os demônios do outro lado da muralha não sejam tão ruins, bom, nem todos eles. É isso?

- O que você quer?

- Não quero nada, apenas...eu sei o que você sente, sei que é insatisfeita com o seu rei, tanto quanto eu sou com o meu. Somos mais parecidos do que você pensa, por isso que pensei em tentar uma amizade.- ele começou a sumir.

- Espera.- ele saiu das sombras de novo, engoli a seco.- Vou te dar mais uma chance, se eu descobri que você planeja algo comigo...

- Você me mata. Eu sei, Krüger. Venha, quero te mostrar um lugar.

- De madrugada?

- É quando as coisas interessantes acontecem.- ele estendeu a mão, o fogo no barril se apagou e eu segurei na sua mão.

Fui tomada por escuridão, quando abri os olhos, olhei ao meu redor.

- Essa...- digo chocada.

- Essa é a biblioteca do castelo.- disse falando baixo. Eu estava dentro do castelo de Casina, se o rei Erwin soubesse...eu afastei o pensamento.

Mikael acendeu uma lamparina e segurou iluminando nosso caminho, estava tudo escuro, todo o castelo estava dormindo.

- Mikael eu...

- Você me disse que queria ter uma biblioteca, não posso dá-la mas posso mostrá-la, mas devemos ser silenciosos e rápidos.

Do pouco que eu conseguia ver, tinha três andares, milhares de estantes e um lustre apagado no teto, tinha algumas mesas também.

Andei pelos corredores vendo os títulos, achei vários romances e contos que já tinha ouvido falar mas eram proibidos em Araven. Não podia levar nenhum, infelizmente.

- Uma noite de inverno.- digo lendo o título de um livro.

- Esse é um dos melhores romances.- olhei para o garoto atrás de mim.

- Você lê romances?

- Eu leio todo o tipo de livro quando eu tenho tempo. Ah, ali é a área que as damas da corte da rainha gostam.- apontou para uma estante, guardei o livro e fui para a estante. Peguei um livro e li o título.

- Contos eróticos da Senhora Whistletten?- digo segurando o riso.

- Não sei o que elas veem nesses livros, mas elas ficam direto nessa estante.

- Não, obrigada.- digo colocando o livro de volta na prateleira.- Prefiro aulas práticas.- digo olhando outra estante, Mikael sorriu de lado e me acompanhou.

- Não sabia que você tinha essa lado, senhorita Krüger.

- Pode me chamar de Kathryn e sim, eu tenho esse lado.

- E eu pensava que as damas de Araven eram puras e ingênuas.- me segurei para não rir alto.

- Eu estou longe de ser uma dama pura e ingênua.

Viramos para ir para outra estante, Mikael me puxou pelo cotovelo e me colocou contra a madeira da estante, puxei minha adaga e o garoto diminuiu a luz da lamparina.

Escutei passos ecoarem pela biblioteca, Mikael fez um sinal de silêncio e se afastou um pouco.

- Olá?- uma voz masculina disse.

- Boa noite, guarda.

- Ge...general, o que o senhor está fazendo aqui?- apenas conseguia ouvir as vozes deles.

- Estou sem sono e resolvi procurar um bom livro, tem algum problema.

- Não, senhor, é que eu ouvi vozes...

- Está escutando coisas, limpe esse ouvido quando acabar o seu turno.

- Sim, general.- os passos se afastaram. Mikael voltou para onde eu estava, guardei minha adaga.

- Não se preocupa Kath, não vamos ser pegos, tenho as sombras ao meu favor.- ri fraco e continuamos a explorar a biblioteca na calada da noite.