Capítulo 6 - Parte Três - B

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Havia um barulho horrível vindo de algum lugar no quarto de Gerard. Um terrível, insuportável barulho, do tipo que racha cérebros em pedacinhos. Gerard abriu os olhos e piscou por conta da luz forte, olhando irritado para o despertador em forma de Tartaruga Ninja em cima de sua cabeceira e se arrependeu profundamente de colocar o alarme para tocar a "música tema". Ele se arrependeu ainda mais de colocar aquela droga pra despertar. Na verdade, ele tinha certeza absoluta que não colocou. Ele não mexeu naquela coisa a noite toda, de qualquer jeito. Gerard sentiu as mãos diabólicas de sua mãe envolvidas naquilo.

Raphael grunhiu para ele, "Hey, get a grip", e Gerard gemeu frustrado e enterrou sua cabeça embaixo do travesseiro. Ele esticou uma mão até a base da cabeceira, conseguindo finalmente achar o fio daquela coisa e o arrancou da tomada. Ele se aconchegou em seu casulo de lençóis e edredons em um silêncio abençoado, esperando que os ossos de seu crânio parassem de ranger.

Ele acordou uma hora depois com sua mãe quase derrubando a porta, como em um pesadelo, gritando algo sobre como ela pensou que Gerard já tivesse saído, ele não escutou o alarme? Infelizmente, sua mãe não vinha com um fio para desligar e muito menos com um botão "soneca", e não parecia que ela iria desistir tão cedo.

Gerard cambaleou para fora da cama, apertando sua cabeça com uma mão e abrindo alguns centímetros da porta com a outra. Ele encarou sua mãe e disse "Hnnfhghn."

Ela o encarou de volta.

"Já levantei", ele coaxou e agitou uma mão em rendição.

"Você vai se atrasar" ela avisou ressentida, pelo menos se ajustando a um volume mais aceitável. "Você já está atrasado, Gerard Way. Se mecha. Não volte pra porra daquela cama."

Gerard rolaria seus olhos se sua cabeça não estivesse com um terrível zumbido de vidro triturado. Porra, seu corpo estava dolorido pra cacete. Era como se alguém o tivesse espancado com um taco de baseball. Ou, bem, mais como se alguém o tivesse atropelado com uma caminhonete decorada por chifres, ele supôs.

"Eu vou tomar banho", ele resmungou para sua mãe. "Vai embora, você não devia tá trabalhando?"

Donna estava visivelmente dividida entre jogá-­lo para fora de seu quarto e correr para a rua gritando que seu filho iria tomar banho por conta própria. Ela decidiu balançar a cabeça e descer as escadas.

"Eu estou trabalhando— eles me mandaram vir aqui e pegar umas fotos de uns salões de Jersey, aqueles babacas", ela disse por sobre o ombro enquanto Gerard arrastava os pés pelo corredor em direção ao banheiro. Porra, andar doía. Seu estúpido cérebro iria cair para fora de seu crânio. "Eu vou voltar aqui às 17:30, então por favor, esteja nessa porra na hora certa, okay? Cristo!"

Gerard grunhiu e bateu a porta do banheiro. Como sua mãe sabia que Gerard ainda estava em casa era a porra de um mistério. Ela tinha, tipo, um Mãe­-Radar ou algo assim? Tipo, uma caixa que chegava com superpoderes junto com os bebês. Especialmente desde que Mikey ficou doente e ela e papai se divorciaram, ela estava em um estado completo de Supermãe. Toda 'você precisa ir pra aula', e 'talvez você devesse sair um pouco mais, Gerard' e 'você não tem nenhum amigo além de Mikey'. E continuava, e continuava. Tanto faz. Como se importasse se ele iria ou não chegar atrasado na escola. Perder a senhora Hall tagarelando e Ted Sikowski enchendo seu saco era um sacrifício para o bem maior, em sua mente. E ele definitivamente preferia tomar banho do que aparecer na escola cheirando a vômito e lixo.

Enfim, o banheiro aqui era bem legal; Gerard meio que queria desenhar na banheira e recostar-­se na água quente com uma revista em quadrinho ou um sketchpad pelo resto do dia. A luz do céu entrava por uma fresta entre os galhos de folhagem avermelhadas da árvore do lado de fora da janela, lançando sombras fantasmagóricas no chão azulejado, todo recortado e delicado. Ele tinha que lembrar de usar aquela textura na próxima vez que desenhar alguma coisa. Todos os pés arcaicos da banheira eram verdadeiramente alguma coisa: parecia que iria descer o corredor e perguntar à Gerard como ele gostava da espuma no banho, tipo a porra da Senhorita Potts ou algo assim. Até as facetas pareciam legais, embaciadas e prateadas, com flores embutidas.

Anatomy of a Fall (portuguese version)Onde histórias criam vida. Descubra agora