Capítulo único

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De: Min Yoongi <m.yoongi@mail.com.br>
Para: Kim Taehyung <kimtae@mail.com>
Data: 31 de dez. de 2020 00:30
Assunto: Minhas respostas

Tae.

Na verdade, não sei se posso chamá-lo assim, mas como o assunto é bem pessoal, tomei a liberdade de me expressar como se fôssemos realmente tão próximos quanto eu me sinto de você.

Há dois dias, quando descobriu sobre mim, você me fez algumas perguntas. Não respondi na hora. Se eu puder ser sincero, tive medo de responder. Não acredito que você, de todas as pessoas, seria capaz de me julgar, mas eu não queria correr o risco de que se afastasse de mim.

Percebi que fui injusto. Você merece saber a verdade... ou tudo o que sei dela. Estou te respondendo hoje, em seu aniversário, para que considere este o meu primeiro presente, afinal não tenho certeza de que você deixaria eu me aproximar para te entregar outro sem que eu te desse essas respostas.

Espero que possa ler estas palavras e refletir sobre elas antes de tomar qualquer decisão sobre o que descobriu a meu respeito.

A primeira pergunta que me fez foi como eu posso provar quem ou o que eu sou. Bem, eu não posso. Para provar, eu precisaria fazer de novo e, honestamente, há muito tempo percebi que não vale a pena me torturar de qualquer forma que seja. Por mais tranquilas que elas possam ser, todas as mortes doem de alguma forma, além de eu não ter controle algum sobre o que vai acontecer em seguida. Seria muito difícil provar alguma coisa se eu fosse parar do outro lado do mundo, ou em algum lugar remoto e sem acesso a um meio de comunicação moderno. Não posso provar, mas talvez uma das respostas que este e-mail carrega possa te fazer acreditar em mim.

A segunda pergunta foi a respeito de Jungkook. Eu não sei onde ele está. Espero que em algum lugar, que não tenha o mesmo destino que o meu. De qualquer forma, quando cheguei em seu corpo, ele não estava mais ali. O invólucro no qual a alma dele viveu por 22 anos passou a ser a morada da minha alma. Mesmo que ele fosse como eu, que tivesse ido parar em algum outro corpo por aí, eu não saberia te dizer.

Nunca soube, na verdade, se existiam outros como eu. E esta é a resposta para outra de suas perguntas. Do mesmo modo que eu, imagino que, se existirem outros, eles guardem segredo sobre o que são. A ciência é capaz de explicar muitas coisas hoje em dia, eu não gostaria de passar pelos diversos testes que posso imaginar que fariam para entender como faço o que faço.

Também não sei te dizer. Sinceramente, não faço porque quero, só acontece. Tentei parar. Houve uma época em que achei que, se eu fizesse isso comigo mesmo, a natureza — ou Deus, ou o universo, ou qualquer coisa que esteja orquestrando essa situação — perceberia que eu não sirvo mais para isso. Tudo o que consegui foi ser meu próprio executor, foi dar vazão a um sentimento que corrói por dentro, que destrói mais a alma que o corpo. Descobri que minha alma se quebrou muito mais nesse processo do que em todas as minhas mortes.

Essa é, talvez, a única pergunta que eu seja realmente capaz de responder com certeza. 104 vezes. Esse é o número exato de mortes que eu sofri. Não me lembro muito bem de todas elas, algumas foram bem rápidas; outras, dolorosas demais para manter na memória. Lembro-me especificamente da última. Eu estava pensando em você, em como você ficaria triste por perder Jungkook, em como eu queria ter tido mais tempo ao seu lado.

Sei que fiquei feliz por voltar neste corpo, por ser de novo alguém que conhece você, Taehyung, porque é mais fácil viver quando se é alvo dos seus sorrisos. Sei também que Jungkook não sofreu tanto quando ele próprio morreu antes de eu invadir sua carne. Foi uma das mortes rápidas; se ele voltou em outro alguém, essa é uma das que ele vai esquecer com facilidade.

Lembro-me, também, e mais nitidamente ainda (por incrível que pareça), da minha primeira morte. Foi há tanto tempo e, mesmo assim, quando penso nela, sinto como se tivesse sido ontem. Foi a mais dolorosa de todas.

Minha primeira morteOnde histórias criam vida. Descubra agora