Face

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Percebi a primeira olhada sobre mim quando peguei no terceiro disco da última fileira em cor azul.

"É aquele do outro lado da rua."

Minha epiderme queimou e não consegui controlar o tremor na mão. Não entendo porque as pessoas querem me fazer mal. Eu sou uma boa pessoa — eu tento ser uma boa pessoa.

Queria pedir ajuda para alguém, entretanto tinha convicção que poderia me deixar em uma situação mais perigosa. Estalei os dedos em nervosismo.

Precisava sair dali.

Eu estava cansado, com medo e assustado.

Sentia todos a minha volta com olhares sobre mim como se eu fosse a maior atração. Eu agonizava ao ritmo que meu coração acelerava e minhas mãos suavam.

Eu estava sendo perseguido, sim, estava. Hoje eu protagonizaria a caça.

Corri. Os meus pensamentos não se calavam.

"Aquele homem de preto te viu. Ele vem te pegar."

Não. Por favor. Eu só quero ficar seguro.

Me encolhi na entrada do beco entre dois prédios e comecei a chorar angustiado. Doía ser controlado assim. O meu cabelo começou a grudar na testa e eu tive certeza de que alguém estava rindo de mim por ser tão patético; eu conseguia ouvir isso.

Sussurros incessantes. Tapei os ouvidos apertando minha cabeça enquanto soluçava.

— O que você está fazendo aí? — a voz era calma e grossa.

— Estou chorando. Não me machuque, por favor. Já basta os vermes que estou colecionando ficando sentado aqui.

— Olhe pra mim. — obedeci.

Ele tinha cabelos castanhos com mechas mais claras, olhos expressivos e uma pintinha no lábio inferior. Tão bonito quanto as folhas caindo no outono. Minhas bochechas molhadas faziam cócegas com a brisa dali, mas só estremeci quando o mesmo tocou-as com a intenção de enxuga-las.

— Por que choras? Já está anoitecendo, você não deveria estar sozinho nesse beco imundo.

— Eu estava sendo perseguido. Tive que me esconder! — gritei olhando para os lados. Não havia ninguém além de nós dois.

— Qual seu nome?

— Jeon Jeongguk, e o seu?

— Kim Taehyung. Eu gosto dos seus cabelos, sua franja é adorável. — ganhei um sorriso.

— Seu nome significa ouro. — me senti acolhido ao dizer aquilo em voz alta.

— Venha! Eu conheço um lugar calmo.

— Não sei. Minha mãe disse que quando os pensamentos estiverem altos não confiar em nada. — movi a cabeça para o lado cogitando a ideia.

— Ninguém vai te fazer mal lá!

Suspirei derrotado. Eu só queria ficar em paz por alguns dias; sem remédios, sem vozes, sem perseguição, sem maldade. Estendi minha mão que logo foi amaciada pelo toque leve e suave, embora quente. Os olhos dele me transmitiam confiança e eu lembro de mamãe dizendo que olhos são as janelas da alma, então ela não deveria ficaria tão zangada... ela poderia nem saber! É isso. Eu logo voltaria para casa. Taehyung me puxava rápido saindo do beco e virando uma esquina. Sentia o medo apossar de mim e não conseguia mais respirar, estava surtando.

— Ei! Olha pra mim. — ergui a cabeça colocando as minhas mãos trêmulas por cima das palmas dele que estavam nas minhas bochechas.

— E-estou com me-do. El-les podem v-voltar! — falei alto e afobado.

As pessoas me olhavam feio, mas eu estava concentrado na imensidão daqueles olhos castanhos. Era como um anjo que surgiu para me salvar dos caras malvados que queriam me machucar sem motivos. Eu sou bom. Eu tento ser bom. Taehyung sorriu de canto transmitindo ternura voltando a me puxar.

Eu reconheci o prédio de primeira. Havia estudado ali ano retrasado, contudo, passei a receber aulas em casa porque as pessoas não entendem os meus remédios e nem o meu estalar de dedos constante.

— Por que estamos aqui? Eu não deveria! Eu nem te conheço! — estava perturbado.

— Sou o Taehyung.

"Ele não é bom."

"Olha o que você está fazendo com a única pessoa que te deu a mão."

"Você não merece nada."

"Não vamos te deixar em paz."

"Anormal."

Gritei no meio da calçada enquanto os carros passavam e a noite ia caindo. Ele não fez nada, apenas ficou esperando que minha garganta fechar.

— Eu conheço uma história que fala sobre meninos perdidos, e eles precisam encontrar a terra do nunca para descansarem. Quero te mostrar.

— Isso não existe! — retruquei irritado com a garganta seca.

— Depende da sua fé, do que acredita ser real e até mesmo como idealiza a terra do nunca.

— Por que está fazendo isso? Eu sou louco.

— Você é um garoto perdido.

Eu sou bom. Eu tento ser bom. — o vi manear a cabeça concordando.

— Não falei que é malvado, Gguk-ah! Vamos escalar a torre do sino, tá?

— Eu consigo destrancar a porta. Não gosto de escalar e podemos ser pegos. Por que a terra do nunca fica na escola? Não gosto de lugares altos.

— Confie em mim! Vai valer a pena e tudo de ruim vai acabar assim que o portal for cruzado.

Taehyung me olhava terno e paciente como se qualquer coisa que eu falasse fosse aceitável e bem. Normal, como se fosse algo normal. Sorri com a esperança de fazer as vozes e perseguições parassem de uma vez só. Destranquei a porta, enquanto o garoto ouro me observava atento e em silêncio. Logo subimos e estávamos no topo daquela instituição grande e sufocante. A cidade parecia algo de papel colorido com branco e preto; muita luz, muita escuridão. Sentamos no parapeito e ele sorriu.

— E agora?

O acastanhado acariciou minha mão.

— Vamos esperar um pouco, tudo bem? Temos que ficar tranquilos.

"Você não é nada tranquilo."

"Sequer consegue controlar suas obsessões."

— Estou tentando há um tempo.

— Cada um tem sua ideia de tempo. O que é muito tempo? O para sempre pode acabar em segundos.

— Você vai ficar? — indaguei temeroso com a diversidade de possíveis respostas.

— Até o último momento.

— Por quê? — não obtive resposta, como se fosse uma pergunta retórica.

Ficamos ali por um tempo. Meus pensamentos foram ficando mais baixos e o barulho noturno trouxe um pouco de paz para minha alma. Parecia que tudo finalmente ficaria bem; aqui em cima nenhum homem malvado poderia me pegar e Kim não duvidava que eu era bom, que eu tentava ser bom.

— Gguk! Gguk! Olha!

O céu foi arranhado por um brilho formoso. Pisquei duas vezes e só estava marcado. Um pedido! Um pedido! Faça um pedido!

— É uma estrela cadente, hyung? É uma estrela cadente, Taehy!

— Anda. Faça um pedido, Jeongguk!

Pensei.

— Eu quero ir agora. — murmurei.

Em poucas horas, Taehyung havia me cativado e cuidado de mim. Cri naquele lampejo que se sobressaiu na imensidão que estava acima de mim, deixei-me encantar e supliquei um por favor: — Me leva para onde os garotos perdidos vão. 


Shooting Star | TaekookOnde histórias criam vida. Descubra agora