Sacada

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Não tem ninguém, acho que é a hora.


A garota deu um passo a frente, desfrutando de seus últimos momentos.


Só eu, e eu mesma.


Sentiu o vento noturno que refrescava seu rosto. Abriu os olhos lentamente para olhar uma última vez o céu estrelado, percebendo que estava mais brilhante que o normal.


Não tem ninguém para interferir.


Olhou para trás, não havia ninguém, como sempre.


Ninguém para entrar no meu caminho.


A mulher retirou lentamente seu casaco amarelo, o reverso do que sentia por dentro. 


Observou, sem pressa nenhuma, sua trança se desfazendo com o vento forte ainda presente.


Tirou os saltos calmamente, percebendo como ficava muito menor sem eles.


Essa garota pequena, tão baixa que poderia ser...


Estava na hora. Finalmente diria adeus a tudo que lhe atormentava, sem mais brigas, sem mais cortes, sem mais dor.


Sorriu, decidida a acabar com aquilo tudo.


Vai pular e ser livre.


Abriu os braços, sendo acolhida pelo vento. A Lua brilhava com todo o seu esplendor sobre sua cabeça. Estava chamando-a, dizendo seu nome com carinho, esperando-a. 


Ela sentiu uma necessidade de alcançar o satélite, esticou a mão para tocar a grande bola prateada.


Mais e mais, chegando na ponta do prédio.


Metade de seu pé estava para o lado de fora, suspenso no ar.


Ela estava pronta.


Xxx: Hey! Não faça isso... Por favor.


Moça, sai da sacada


Foi submergida de forma agressiva. Voltou ao mundo real, olhando para trás e vendo um garoto que não estava lá antes. Ele aparentava ser um pouco mais velho que ela.



Você é muito nova pra brincar de morrer


Seus olhos, apesar da pouca iluminação, lembravam os dela. Isso a fez dar um passo a frente em curiosidade. 


O moço tinha uma das mãos no bolso da calça jeans e olhava para ela com face neutra.


Me diz o que há, o que que a vida aprontou dessa vez


Moça: ...O quê você...?


Percebeu os sapatos na outra mão dele, chegando a conclusão que o desconhecido estava ali pelo mesmo motivo que ela. Voltou a fitá-lo, em silêncio.


Aí é muito alto pra você se jogar 


Andou até ele, ainda muito confusa. 
Como ele podia ter os mesmos olhos que ela?! Como ele podia ter as mesmas cicatrizes? As mesmas dores?


Se inclinou para observar melhor e, em seguida arregalou os olhos.


Sim, ele definitivamente era igual a ela. 


Vou te ouvir, e tentar te convencer


Mas então... Se eles eram iguais, por que ele estava tentando convencê-la a não pular? Ele deveria deixá-la ir. Deixá-la alcançar a paz. Certo? Por que ele a parou, se o seu destino seria o mesmo?


Mas ele continuou dizendo: Não faça isso.


Ela não conseguia entender.

Pois...


Somos programados pra cair



Ele continuava olhando-a intensamente.


Eles conversavam facilmente pelo simples olhar mesmo nunca tenso se visto na vida.


Mas tudo bem, nem sempre estamos na melhor

Sua cabeça girava, num momento de profunda reflexão.


Como esse garoto estava fazendo sua mente dar voltas e voltas? Por que com um simples olhar ele a fez hesitar?!



Subitamente a bolha foi quebrada. A porta de emergência foi aberta com brutalidade e por ela saiu uma outra mulher.


Esta chorava, com a mão no peito e a outra tentando limpar as lágrimas.


Ela não notou os dois ali, graças a penumbra da noite.

Continuou chorando por longos minutos, completamente alheia aos olhos gêmeos que lhe encaravam com empatia.

E então ela parou, ambos sabiam o que ela faria em seguida.


Se entreolharam, conversando numa língua que aparentemente só eles entendiam.


Xxx: Finalmente... Livre! A desconhecida não sorria.


Ela havia aceitado o seu destino, mas diferente da moça ela não ficou feliz com aquilo.


Não pode evitar, quando viu suas palavras estavam sendo pronunciadas. Aquele garoto, o moço que estava ao seu lado, ele tinha salvado ela.

Sentia, em seu coração, que precisava fazer o mesmo.



Moça: Hey! Não faça isso... Por favor.


Entendia exatamente como aquelas pessoas se sentiam. E estava tudo bem. Significava que sempre haveria alguém para salvá-los.

Porque ninguém é de ferro.




***

Músicas:

Amianto

My r

Aconselho a ouvir.

Ninguém é de ferroOnde histórias criam vida. Descubra agora