Então isso é...

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Aquela estranha sensação de todos preocupados comigo, cuidando se mim... era uma novidade pra mim.

Até então, Amanda e sua mãe foram as únicas que me tratavam com carinho e respeito; Chloe também, mas sempre vi isso como uma conduta de professora. E Lucas...

Algo dentro de mim se apertou, como se algum sentimento primitivo do qual nunca fora nutrida propriamente estivesse escalando de seu buraco de escuridão dentro de mim. Ignorei o sentimento quando a falta de ar se tornou um pouco insuportável demais.

- Você... - o sequestrador foi interrompido por barulhos de tiros, muito pertos da porta principal.

Nem suas mãos nem sua lâmina foram removidos de meu pescoço quando ele se virou para a porta que foi aberta novamente.

- Capitão, eles estão nos encurralando... - um subordinado disse ofegante - O que devemos fazer senhor?

Sem nem ao menos olhar em minha direção novamente, o homem me jogou no chão com força. Minha cabeça bateu com tudo e o mundo girou conforme eu tentava respirar de forma desengonçada. Não sabia dizer se a sensação de um líquido escorrendo pelo meu pescoço era de suor ou sangue. Também não liguei. Não quando outros subordinados vieram para cima de mim, apontando armas para minha figura inquieta.

O misterioso Capitão já estava alcançando a porta quando tudo aconteceu. Muito rápido para a minha mente bagunçada processar direito.

Uma explosão na porta lançou o sequestrador e alguns de seus subordinados voando para o outro lado da sala. Em meio a fumaça, algumas vozes gritavam antes de tiros dispararem como uma chuva de verão.

Era tão caótico, mas tão lindo. Uma estranha obra de arte deturpada; talvez algo que um antigo pintor a beira da insanidade pintaria e descreveria como o verdadeiro Inferno. Corpos caindo calmamente sem vida alguma em seus olhares, enquanto o vermelho de sangue pintava o chão de mármore xadrez. O amarelo-alaranjado dos tiros e das chamas envolvendo o espaço, enquanto soldados avançavam em meio a fumaça cinza, os rostos protegidos com capacetes ou panos... Era uma sinfonia.

E foi essa sinfonia que me fez apagar no chão.

Os sons de tiros e berros eram distantes dentro do meu mundo de breu. Meu corpo era etéreo e minha mente tentava se centrar em alguma coisa, alguma memória que talvez eu tivesse perdido.

De repente eu estava de volta em casa, deitada na minha cama com um forte cheiro de café infestando a casa. E gritos no andar de baixo.

Levantei da cama com um pulo, pegando a tesoura da minha escrivaninha para tentar atacar qualquer que fosse o mercenário dentro de casa, quando parei novamente e analisei.

Analisei o meu quarto, o cheiro da casa e os gritos. Não eram gritos de morte e guerra; eram os gritos de uma discussão. Algo que não acontecia em casa com muita frequência. Minha cama estava numa posição diferente, um pouco mais afastada da janela, como não estivera a anos. E o cheiro de café...

Lucas era o único que tomava café em casa...

Algo em meu peito afundou e só então percebi algo tão vital para mim: eu estava chorando. Não chorava assim fazia tanto tempo... Não chorava assim desde quando Lucas saiu de casa.

Larguei a tesoura bem a tempo dos gritos no andar inferior se cessarem também. Minhas mãos tremiam e corri pra frente do espelho. Eu era uma criança.

Meus cabelos ainda eram de uma cor de mel belíssima, mais claros do que jamais foram, e se alongavam até minha escapula, ondulando como uma cascata. Meus olhos, agora vermelhos graças as lágrimas que ainda caiam deles, eram grandes demais para o meu corpo, chegavam até a ser desproporcionais. Mas sua cor intensa amarela jamais diminuíra, como dois potes de ouro infundido com estrelas. Eles ainda brilhavam com a alegria jovial de qualquer criança. Minhas sardinhas também eram impecáveis, manchando graciosamente minha face de criança com tons de marrom.

A Verdadeira História de Uma AssassinaOnde histórias criam vida. Descubra agora