Sinto um arrepio assim que encostos meus pés no chão frio da cozinha. Mais uma vez Londres se encontra em uma temperatura bem mais baixa do que os dias ensolarados de Los Angeles, e sei que está na hora de dar uma descansada da longa temporada de shows.
Começo a planejar meu dia enquanto coloco uma fatia de pão na torradeira e pego uma frigideira para fritar os ovos. Talvez passe o dia com minha mãe, pensei, mas a ideia de uma viagem de três horas e meia em uma quarta-feira não me pareceu muito convidativa. Assim que os ovos ficam prontos, os coloco em cima do pão já torrado e me sento à beira do sofá, aproveitando o café da manhã enquanto assisto um pouco de televisão.
- ... E temos boas notícias, segundo rumores, é possível que o autor William T. lance a continuação de seu aclamado livro "Amor às Cegas" na próxima semana, a qual vai se chamar "O Preço da Verdade". -A repórter disse durante a exibição do jornal matinal. - É possível ainda, vermos um amadurecimento dos personagens, como William disse em uma entrevista..
Não perco meu tempo e desligo a televisão, Amor às Cegas tem sido meu livro preferido por anos, não acredito que finalmente teremos uma continuação! Mas nunca entendi o porque de o autor não aparecer em fotos e vídeos, ou até mesmo em mensagens de voz gravadas. Dou uma leve olhada no meu exemplar, exposto bem no centro da estante, antes de pegar meu celular e sair de casa.
A cidade está com o clima nublado, e meu fino casaco talvez não fosse o suficiente para me cobrir do frio cortante. Decido então ir ao La Lune, um café afastado do centro da cidade, no qual, na maioria das vezes, consigo ter um pouco de sossego.
Assim que passo pela porta, o som do sininho na porta me faz mergulhar na atmosfera aconchegante daquele lugar: as mesas de madeira, a lareira elétrica perto dos bancos, as paredes de tijolos, as estantes aos fundos e os pequenos vasos de plantas faziam toda a diferença.
- Como foi a turnê Styles? - Me perguntou o Sr. Bernard com um sorriso atencioso no rosto.
-Bom dia Sr. Bernard, foi um pouco cansativa, mas foi tão bom poder fazer o que gosto e transmitir para as pessoas o que penso. -Respondo enquanto dou uma olhada nas estantes.
-Vai querer comer o de sempre?
-Talvez mais tarde, comi um pouco antes de sair de casa. Tem algum livro novo que o senhor queira me indicar? - Mas quando me virei esperando a resposta, Sr. Bernard já não estava mais ali, provavelmente no fundo da loja fazendo mais macaroons.
Continuei olhando os livros, alguns já decorados por mim, outros esperando ansiosamente para serem lidos e percebo uma cena quase que cômica. Na estante de clássicos da literatura inglesa, consigo enxergar um livro que não deveria estar ali, pelo menos não que eu saiba.
Peguei e o analisei nas mãos: um livro de capa cinza, mal costurado e posicionado de uma forma que me faz acreditar que quem o colocou ali estava com bastante pressa. Não parecia ter um título ou qualquer informação que pudesse ser relevante sobre a obra, mas minha curiosidade era inquietante. Me sentei ali mesmo, nos fundos do café, em meio as estantes e com as coisas apoiadas na parede. Aquele livro me passava um ar misterioso, mas ao mesmo tempo eu sabia que quem quer que tivesse o colocado na estante, estava esperando que alguém o lesse.
Abri na primeira página, e a escrita, por mais confuso que fosse, estava à caneta, como se fosse um rascunho de algo grandioso ou inacabado. A letra de forma começa então:
"To my lover,..."