Laila

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Mamãe sempre me disse que sapatos de salto eram minha segunda pele. Talvez fizesse mais sentido ela dizer que eram meus "segundos pés", mas tanto faz. Ela está certa. Amo meus saltos altos. E preciso deles também, dada minha estatura. Ou ausência dela. Coisa herdada de mamãe também. Se eu quisesse ver o resto do mundo à minha altura, só no alto de um scarpin ou salto agulha.

Nesse exato momento eu analisava, encantada, o luxuoso sapato vermelho que eu usava. Tinha sido uma escolha ousada. E ideal. Ele combinava perfeitamente com o vestido simétrico branco e preto que eu havia escolhido para aquela festa.

Meu primeiro evento formal no novo emprego. Estava mais ansiosa do que gostaria. Acho que porque todos os sócios da empresa estariam lá. Minha presença era meramente formal, mas eu gostava daquele trabalho. E, apesar da ansiedade não ser, nem de longe, uma das minhas marcas registradas, nessa noite eu estava ansiosa. Me ajeitei mais uma vez no imenso espelho com moldura dourada que cobria toda a parede lateral do hall de entrada do restaurante que havia sido fechado para o evento. Batom vermelho impecável, cachos soltos e um pequeno colar de pedras brilhosas. Me voltei para a imensa porta de vidro esfumaçado. Um homem elegantemente vestido abriu a porta para que eu entrasse.

Lá dentro, o lugar estava abarrotado de gente. Trabalho na LBK Cosméticos e Perfumaria. Já foi uma das líderes do seguimento no país e, depois de uma derrocada, estava se reerguendo com uma força impressionante. Com fábrica sediada em Goiânia e pontos de venda em todos os estados brasileiros, fazemos de sabonete para o dia a dia a perfumaria de luxo.

Estamos lançando uma nova linha de sabonetes. Pegada ecológica. Menos plástico na produção, uso de insumos veganos e etc.

Mas minha área é outra. Sou do financeiro. Jamais saberia responder às perguntas dos repórteres sobre impacto ambiental e não sei mais o que. Para isso já tinha a Ana do Marketing, além das meninas da Comunicação.

Para nós, do Financeiro, aquilo tudo era visto como algo muito bom. Mais visibilidade, mais investimentos, mais nichos de mercado, mais pontos de venda... tudo isso poderia ser muito bom financeiramente.

Me julguem... Sou a garota dos números. É assim que eu penso. É assim que eu devo pensar.

Passei por uma rodinha de repórteres que conversavam com Luciana, uma das nossas assessoras de comunicação. Acenei para ela, e ela me respondeu alegremente. Comecei a ver vários rostos conhecidos, e isso fez qualquer vestígio de ansiedade que eu estivesse sentindo sumir.

– Oi, garota do sapato vermelho! – Lis se aproximou de mim, um sorriso imenso no rosto avermelhado. Já devia ter bebido umas, sua pilantra.

– Ele é lindo, não é? – Eu falei, levantando de leve um dos pés para evidenciar o sapato.

– E enorme! – Ela pôs as mãos na boca, como se estivesse surpresa. – Meu Deus! Eu fico indignada de como você consegue usar essas coisas gigantescas e ainda assim andar como se estivesse flutuando... Se eu usar isso, ando feito uma pata.

– Então não use... – Falei sorrindo para ela. – Você não precisa. Eu preciso.

Lis era bem mais alta do que eu. Qualquer pessoa com mais de dez anos é mais alta do que eu. Mas Lis era bem alta. Devia ter seus um metro e sessenta e oito, ou nove. Isso é ser alta, não é?

Eu tenho um metro e meio. Cravado. Dependendo da fita. Algumas vão medir menos. A minha mede um metro e meio.

Lis trabalha comigo no financeiro. Ela na Contabilidade. Eu, como Assistente Financeira do Diabo. É um cargo que só existe na LBK.

Por Odiar Você (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora