Sinto a dor de não ter mais onde ficar.
Olho no espelho, sem me encarar e penso como seria o mundo sem a minha presença. Talvez não houvesse mais plantas no quintal, as minhas músicas favoritas não seriam mais ouvidas, a cozinha não ficaria mais ocupada por tanto tempo, os livros de casa não seriam mais folheados e talvez não houvesse mais mensagens de preocupação enviadas para os celulares dos meus amigos.
Além dos pais deles.
Deito com a mente em preocupações criadas a partir de um surto de ansiedade. Penso em escrever sobre, mas as 4 horas da madrugada não seria o momento ideal para fazer isso. Só iria deixar o meu corpo ainda mais exausto do que já está. Cansado, triste, com uma culpa sem motivo aparente e uma aparência de culpado.
Onde eu poderia me recolher? Sentir que não estou só? Observar com vontade de fazer parte?
Culpado por ser tão fraco em querer desistir.
Mas andar em passos lentos sentindo que não há mais forças para caminhar. Olhar para as paredes e não sentir o gosto de liberdade. Deitar e olhar para o céu sem esperanças de viver um momento bom. Comer sem a vontade e precisar forçar mais uma colher todos os dias - tem sido desafiador carregar todo o fardo de não estar bem.
Chora. Pode chorar. Coloca para fora tudo que está lhe machucando mesmo sem saber exatamente o que. Mesmo que faça-se um rio das suas lagrimas, um balão com os suspiros do seu desabafo e um estrondo pelo seu grito de socorro.
Talvez não se sinta à vontade de olhar no espelho na maneira que ele está posicionado e que precise sentir que amanhã vai ser diferente, se não fizer algo diferente. Desejar colocar fim em tudo isso hoje mesmo sem buscar por isso. Sempre há uma faísca de esperança na vida independente do quanto estejamos triste, buscamos pelo amanhã, pela presença de alguém, pelo amparo de um ombro amigo ou o colo de quem possa nos confortar. Há sempre uma busca para tudo isso terminar...
Não imagino que as lágrimas derramadas hoje pela melancolia da madrugada seja as mesmas de quando o sol chegar, nem o brado de desespero seja o mesmo quando tiver quem ouça e conforte a sua cabeça quando precisar deitar e observar o céu azul, e que a comida seja sempre sem gosto. Nem tudo vai ser igual, se caminhar de forma diferente que o costume.
O vento só trás tristeza se a porta estiver aberta. E a janela também!
Chora. Grita. Esperneia. Mas não esqueça de olhar o céu à noite e pensar sobre tudo que está se passando. É como receber atenção de milhões ao mesmo tempo, sentir que pertence ao universo e que está tudo bem. A mente acalma, os olhos lacrimejam e o vento acaricia o seu rosto numa leve meditação à vista. Você pode engolir o mundo quando quiser. E depois de tudo isso o seu coração vai sentir o calor que precisa, a noite de sono será mais tranquila, olhar para o teto e sorrir de forma boba, acaricia a si mesmo e sentir-se acolhido.
Pode aproveitar os momentos ruins para sofrer o quanto precisar.
Mas quando a noite chegar, não esqueça de observar o céu. Não esqueça de acariciar a si mesmo, fazer as suas vontades e rir para si frente ao espelho. Comer aquilo que a boca pede, assistir o que a mente inventa e aproveitar o espaço para respirar. Engula o mundo e se mostre maior do que tudo, e nunca mais volte a abrir portas para quem não está disposto a organizar a bagunça da sua casa junto contigo. Receba quem repara na bagunça, mas te ajuda a arrumar, regar suas plantas, acariciar seu gato e te abraçar bem forte para sentir o coração um do outro. Nem tudo precisa fazer total sentido, mas dissecar e separar cada pedacinho vai fazer isso valer à pena em outros momentos, só precisa acontecer - mesmo que não seja agora. Mas enquanto isso...
Olhe o céu à noite.
Repare na bagunça.
Feche a porta quando quiser.
Sorria em frente ao espelho.
Coma o que sentir vontade.
Engula o mundo.
Se sinta.
Olhe como é gostoso ser o que precisa ser.
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Engoli o mundo: para calar uma dor
RomanceÉ como observar o pôr do sol e não sentir mais o clima gostoso no fim da tarde, ouvir piadas mas não conseguir rir com alegria, e não poder apoiar a cabeça no colo da sua mãe e se sentir protegido. Engolir o mundo é como não encontrar mais um lugar...