Vejo a fita na minha frente.
- "O chão, não!"
Está longe, lá embaixo, depois de metros de uma queda mortífera. A fita afrouxa quando removo um dos pés de sua base, e tensiona no outro que mantém o contato. A musculatura enrigesse, relaxa, treme, contrai, relaxa novamente. Mãos se movem para todos os lados, pra cima, pra baixo para ajudar na dança que meu corpo executa para manter-me de pé e longe do chão. Cabeça, pescoço, ombros, tronco, cintura, quadris, coxas, joelhos, panturrilha, tornozelo e finalmente pés dançam freneticamente numa sinfonia muda e quase imperceptível aos olhos do observador. Meu corpo sente a pressão desta dança, e vibra na expectativa da exatidão do próximo passo. Vibra ora de alegria e exaltação, ora de angústia e dor.
- "Não pode errar!"
- "Não pode descer da fita!"
Eu escolhi estar aqui e agora preciso terminar esta minha jornada sozinha. Sem olhar para os lados para evitar distrações. Sem olhar para trás para evitar arrependimentos. Olhando sempre pra frente, com foco total no prêmio que me aguarda na linha de chegada. Pensando bem, eu não estou conseguindo vê-la daqui!
- "Deve estar logo mais à frente!"
- "Só mais alguns passos e ela estará visível."
Já posso sentir o gosto da felicidade, da paz, da tranquilidade de chegar lá. Vou poder relaxar minha musculatura, vou poder descansar minhas pernas, e acalmar as minhas mãos, que agora tremem de exaustão.
Meu corpo dói, já se foi aquela sensação da tão sonhada chegada.
- "Não ligue para dor!"
- "Siga!"
- "Quando você chegar lá vai valer a pena!"
- "Aí vai ter tempo para descansar, olhar um pouco para trás, sentir orgulho!"
- "Talvez até possa vislumbrar um pouco os lados, desbravar outros caminhos."
- "Vai valer a pena esta dor!"
- "Agora parece que não, mas depois tudo vai fazer sentido."
Lá vem de novo, aquela sensação doce da perspectiva da chegada. Ah, satisfação!
...
*Dor!*
Meus pés estão em bolhas, que já romperam e agora sangram!
- "Tudo vai fazer sentido no final!"
*Dor!*
Meus joelhos rangem quando projeto mais um passo à frente.
- "O esforço sempre é recompensado!"
*Dor!*
Meu quadril já não responde mais como antes, e quase me leva à queda. Lá vem minhas mãos novamente salvando a vida, minha vida! Sobem, descem, lançam para frente e para trás, esperando uma resposta do quadril que está dando um sinal de retorno ao jogo. Num súbito suspiro se comporta da forma devida e retoma o equilíbrio.
Minha mente está cansada!
- "Se você hesitar novamente pode cair, aí será seu fim!"
- "Todo esforço de chegar até aqui no meio da fita pode cair metros abaixo até encontrar o chão."
Será o meio aqui? Não sei! Não posso olhar pra trás, não vejo ainda a linha de chegada.
- "Foca!"
A mente não vai ser minha inimiga, nós vamos chegar.
- "Lembra aquela sensação da chegada?"
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A Equilibrista
NouvellesQuando pisamos em falso e o chão se desfaz sob nossos pés, para onde vamos? Tudo que planejamos que decidimos não existe mais. O que resta? A equilibrista segue firme em sua jornada para atravessar sua fita. Mas e se ela não chegar do outro lado?