Capítulo Único

130 16 314
                                    

Olá pessoas! Demorei, não me orgulho, mas foi o que consegui fazer...
O aviso de hoje é que esta história contém trechos que descrevem sintomas de depressão, pensamentos suicidas e insinuação de auto mutilação, então se não estiver passando por um momento muito bom talvez vá querer deixar essa para outra hora.


Por incrível que pareça não inclui nenhuma letra de música dessa vez, mas usei as "Lucky" e "Winter Bird", ambas da Aurora, como inspiração para o texto, então fica a dica.


Boa leitura :)


***


Ajoelhada no gramado sob o céu nebuloso, Delphine cavou um buraco de diâmetro não muito grande, porém ligeiramente profundo. Inconscientemente adiou esse momento ao máximo, amparada pela desculpa de que a entrega do receptáculo seria atrasada por conta de sua mudança de endereço. A ideia de fazê-la se transmutar em uma árvore pareceu atrativa no momento da compra, mas agora já nem sequer se lembrava mais por qual espécie havia optado.

Quando abriu a urna de madeira com as mãos ainda sujas de terra, o embrulhar em seu estômago se fazia presente, assim como a persistente sensação de sufocamento. Mesmo assim, nada foi capaz de lhe escorrer dos olhos. As lágrimas já haviam secado há dias agora. Ou talvez fizesse mais sentido que estivessem congeladas, dado o frio em seu ser que cobertor ou casaco algum parecia ser capaz de remediar. A sensação era de que o calor havia abandonado completamente o corpo de Delphine desde aquele fatídico dia; como se o toque gélido da pele dela tivesse lhe transmitido algum tipo de doença... Uma doença cujo sintoma principal é a ausência de vida.

Olhando para aquele amontoado de cinzas era difícil de aceitar que isso era tudo o que havia lhe restado dela. Enquanto fazia a transferência para o vaso biodegradável, a loira ficou pensando que talvez tivesse sido melhor insistir mais para que Sally e Gene a tivessem levado com eles de volta para São Francisco. Ou quem sabe a derramado pelas águas calmas do Lago Ontario. Mas o fato é de que semanas atrás ela ainda não se sentia capaz de concluir aquela que seria despedida final.

Fechar o recipiente, depositar o substrato e afundar a semente nele devia ser a forma física de fazer seu cérebro entender que esse era o fim daquela história. Mesmo depois de depositar a urna dentro do furo no solo e cobri-la com terra, Delphine se manteve na mesma posição por minutos a fio, quieta, solitária, no fundo sem saber o que fazer ou para onde ir. Talvez tenha sido o barulho de um trovão a distância que de lhe despertou o instinto de autopreservação, instigando seu corpo a se recolher para dentro da casa. Ela bateu uma mão na outra para limpar o excesso de poeira antes de se levantar, e com consciência dispersa, nem sequer notou a coruja empoleirada na borda do telhado assistindo a toda sua miséria quando subiu os degraus até o deck.

Uma vez de pé no interior da residência, segura da chuva que anunciava despencar, foi difícil para ela se reconhecer em casa. Na verdade, naquele momento ela se perguntou se aquele lugar realmente poderia se tornar seu lar algum dia.

A mudança para Montreal se mostrou uma decisão inevitável a ser tomada. Com toda certeza os melhores anos de sua vida foram passados em Toronto e meses atrás teria conseguido expressar em palavras todo o amor que nutria pela cidade. Mas agora seria impossível para ela continuar vivendo lá sem Cosima. Cada rua, cada esquina daquela metrópole a fazia se lembrar morena. Se mudar para a cidade que colheu tão bem sua mãe foi a forma que ela encontrou de tentar virar a página.

No dia que sucedeu o funeral, umas das primeiras coisas que ela fez ao acordar foi responder ao e-mail do chefe – que expressava suas condolências junto de uma breve homenagem à Dra. Niehaus – com um pedido de desligamento da empresa; com efeito imediato. Se continuar em Toronto não era mais uma opção, quem dirá voltar diariamente para o laboratório onde juntas tiveram tantas conquistas importantes em suas carreiras. Certamente encontrar um novo e bom emprego em Montreal não seria um problema, mas sabia que não tinha condições de pensar nisso tão de pronto.

I Need Something To Hold On ToOnde histórias criam vida. Descubra agora