💜 Cap. 02 💜

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Como hoje é domingo e Heitor está de folga, acordo mais cedo, vou até o closet e separo as roupas que usarei; uma blusa de mangas longas, uma calça jeans e minha roupa íntima. Tomo um bom banho, passo um creme em meu corpo e prendo meus longos cabelos pretos em um rabo-de-cavalo. Não por querer agradá-lo, mas por já ter virado rotina. Sempre faço isso em seus dias de folga. Sei que muitos achariam que é exagero, mas minha mãe me criou assim. É um de seus ensinamentos.
“Sempre esteja apresentável para o seu marido, principalmente no dia de sua folga, quando passará o dia todo com você. Nunca deixe que ele a veja de cabelos bagunçados ou com qualquer coisa fora do lugar.”
Ela me ensinou desde pequena o que uma mulher tem que fazer para agradar um homem — para ser a esposa perfeita para Heitor. Olho pela janela e sinto vontade de realizar um passeio. Mas eu só poderia sair se Heitor decidisse me acompanhar. As únicas vezes que saio são ao seu lado, e sempre para algum evento ou jantar beneficente. Depois do casamento, nunca mais fizemos programas que casais fazem — cinema, teatro; essas coisas. Não posso nem mesmo pôr os pés na rua sozinha. Eu nunca me importei muito com isso. Até agora.
Após estar pronta, vou para a cozinha ajudar Judite a preparar o café da manhã. E assim que me vê, ela abre um de seus sorrisos fáceis. Nos últimos meses, nos tornamos grandes amigas. Ela é a única funcionária que conversa comigo; todos os outros têm medo, devido ao ciúme excessivo de Heitor. Judite, como a mulher experiente que é, sempre me dá ótimos conselhos. Antes de vir para a nossa casa, trabalhava na casa dos pais de Heitor. Jussara e Camilo são muito exigentes com os funcionários, e meu marido puxou isso dos pais, por isso, quando nos casamos, a trouxe para ser a governanta da casa.
— Agora que já está tudo pronto, é só esperar ele acordar — digo, colocando o último prato em seu lugar.
Olho para a mesa, que está parecendo aquelas de novela das nove. Há de tudo aqui. A maioria dos alimentos nem será tocada, mas Heitor prefere a mesa assim todas as manhãs. Ele gosta de esbanjar e mostrar que pode ter tudo o que quiser à sua disposição.
— Judite, posso conversar com você? — pergunto em um sussurro.
— Claro. Somos amigas. Você pode conversar comigo sobre qualquer coisa. Vamos nos sentar ali na varanda?
Balanço a cabeça positivamente, entrelaço meu braço no dela e saímos da cozinha. Nos sentamos no banco de madeira que há ali fora. Daqui, dá para ter uma breve vista do jardim, o meu lugar favorito da casa. Ele não está com sua melhor aparência, graças às constantes chuvas que quase o alagam. Não vejo a hora desse inverno acabar e a primavera chegar. O céu está nublado, mas felizmente não está chovendo como nos dias anteriores. Apesar da brisa fria, sei que é o melhor lugar para conversar com Judite. Aqui ninguém escutará o que estou disposta a dizer.
— Quando éramos adolescentes, Heitor sempre foi bom pra mim; me tratava com carinho e parecia realmente apaixonado. Muito diferente desse homem com quem estou tendo que lidar ultimamente. Olho pra ele e não vejo mais o amor da minha vida. É como se ele fosse outro homem. Eu ainda o amo. Amo meu antigo Heitor. Não esse estranho que está se deitando ao meu lado à noite. — Estou me sentindo tão mal. Acabo deixando algumas lágrimas rolarem — Estou confusa, Judite. Quando ele me irrita ou me maltrata, eu quero acabar com esse casamento, mas quando tudo passa, penso se isso não é uma fase. Quem sabe meu Heitor ainda esteja ali dentro. Eu cresci ouvindo que ele seria meu marido, que teríamos uma família feliz. É tão difícil pra mim pensar que minha vida toda pode ter sido uma mentira.
Judite me abraça e faz carinho nos meus cabelos. Seu abraço me conforta e ao mesmo tempo me aquece. Me seguro para não desabar. Se chorar demais, Heitor irá perceber quando acordar.
— Eu sinto muito, Elena. Você é uma menina muito boa, merece toda a felicidade do mundo. E, sinceramente, não sei se ele será capaz de lhe dar isso. O Heitor que você conheceu nunca existiu. Ele sempre foi assim, só que na frente de outras pessoas finge ser alguém totalmente diferente. Só quem convive com ele dia após dia o conhece de verdade.
Eu me encolho com suas palavras. Dói tanto ouvi-las. Sinto meu coração se partindo. Ele está quebrado, destruído em vários pedacinhos. Se esse é o verdadeiro Heitor, eu não quero continuar aqui, não quero seguir com esse casamento.
— Como vou me separar de um homem que diz que serei dele até meu último suspiro? Eu não sei o que fazer, Judite. Eu me sinto perdida e desamparada.
— Eu sempre estarei aqui pra te ajudar. Você não está desamparada.
No fundo do meu coração, eu sei que Judite se importa mais comigo do que minha própria mãe. E isso me deixa ainda mais triste.
— Elena, cadê você? — Escuto sua voz me chamando da cozinha. Limpo minhas lágrimas e entro rapidamente. — Aí está você! O que estava fazendo lá fora? — Heitor cruza os braços e me olha com desconfiança.
— Estava conversando com Judite — digo.
Ela entra bem atrás de mim.
— Bom dia, senhor.
Ele apenas acena com a cabeça. Vem em minha direção, agora parecendo mais relaxado, e me dá um beijo.
— Bom dia. — Sua mão acaricia minha bochecha com ternura. Fecho os olhos e me lembro do meu Heitor. — Vamos nos sentar pra tomarmos café. — Segurando minha mão, ele me leva até a mesa.
Nos sentamos e começamos a nos servir.
— Poderíamos dar uma volta no shopping, já que você está livre hoje? Faz muito tempo que não saio de casa. Já estou me sentindo parte da mobília.
Ele não ri da minha piada e percebo que o meu amor, mais uma vez, se foi.
— Estou muito cansado, Elena. Se quiser se distrair, vá até a sala de jogos, se exercite na academia que temos ou vá ler na biblioteca. Pra isso comprei essa casa enorme pra você.
E mais uma vez joga na minha cara o tamanho da casa, como se se esquecesse de que não fui eu que a escolhi. Ele e minha mãe foram os responsáveis pela decisão. Por mim, preferia uma casinha menor, onde pudéssemos ficar mais próximos.
— Heitor, eu só quero sair, ver pessoas novas. Já estou quase mofando dentro dessa casa — digo, olhando para o prato à minha frente.
— Você já tem tudo de que precisa aqui, Elena. Agora já chega desse assunto. Vamos comer em paz. Por favor.
— Eu posso chamar Amanda pra vir aqui, então? Já faz mais de meses que não a vejo.
Olho em seus olhos e posso ver que ele já está ficando irritado. Minha mãe sempre me dizia para parar quando percebesse que ele está se alterando, mas eu preciso ver gente ou vou enlouquecer. Estou ciente de que estou quebrando uma de suas regras, uma de suas lições. “Nunca deixe seu marido irritado. Tudo o que ele disser, você acatará em silêncio.” Mas agora isso pouco importa.
— Não — ele diz, por fim. — Aquela sua amiga é muito assanhada. Só sabe conversar sobre o que não presta. Já basta ter aguentado ela ao seu lado o tempo todo quando você estudava. Nunca gostei dela.
Me afundo na cadeira, desanimada. Eu não posso fazer nada. Não consigo impedir que as palavras saiam da minha boca.
— Por que você não me coloca em uma caixa de vidro e me põe em exposição na sala como um de seus troféus?
— Cuidado com o que você fala. — Sinto a irritação em sua voz. — Você não era assim, Elena. De uns tempos pra cá está se revelando?
— Posso dizer o mesmo de você. — Mantenho meu olhar no dele, mesmo sentindo que não deveria prococá-lo.
— Estava tentando ter um café da manhã tranquilo com você, mas já vi que não será possível. — Se levanta bufando e joga o guardanapo na mesa. — Se precisar de mim, estarei no escritório. E nem sonhe em sair de casa sozinha.
Termino de tomar meu café da manhã. Não vou ficar com fome por causa dele. Sem escolha, vou até a biblioteca, mas nada prende minha atenção. De repente uma ideia vem à minha cabeça. Saio da casa, dou uma olhada em quantos seguranças há no portão de entrada, e felizmente só há um, e ainda é o novato. O anterior Heitor despediu porque nos tornamos amigos. Elielson era legal e precisava do emprego, por isso me senti tão culpada. Vou rápido até o quarto, pego minha bolsa e a escondo em um arbusto próximo a saída sem que ninguém veja.
Vou dar uma volta com ou sem ele.
— Bom dia — falo assim que me aproximo do segurança.
— Bom dia. A senhora precisa de alguma coisa?
— Heitor está chamando você no escritório, com urgência. Ele está muito irritado.
Vejo que já fica preocupado. Ninguém gosta de ver Heitor irritado.
— O senhor Heitor me falou pra nunca deixar o portão sem ninguém pra vigiar. O restante do pessoal está tomando café.
— Tudo bem, vou dizer a ele que você se negou a ir. — Viro as costas para ir embora.
— Não, espere! Já estou indo.
Me permito sorrir um pouco com minha vitória. Mas logo volto à minha cara séria e me viro para ele.
— Ok. É bom ir rápido.
Ele sai andando rapidamente. Por um momento, fico com dó dele. Parece ser uma boa pessoa. E eu sei que Heitor não irá perdoar essa falha. Provavelmente irá machucá-lo para descontar sua raiva e descontentamento. Mas preciso pensar em mim agora. Não pode haver espaço para culpa e dúvida em uma fuga.
Uma vez Judite deixou na bancada da cozinha um papel com a senha do portão, e felizmente tenho uma boa memória e consegui gravá-la. Abro o portão, pego minha bolsa e saio o mais rápido possível. Só quero me distrair um pouco e passar um tempo longe do meu marido. E é isso que irei fazer.

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