Capítulo Único

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Eu ainda estava de folga nos primeiros dias daquele começo de ano, já que, ao me tornar responsável pela cobertura da temporada de Fórmula 1 do jornal, meus compromissos na redação se iniciavam simultaneamente ao começo da pré temporada, que seria no mínimo dali um mês. Aproveitei aquele tempo para ficar em casa e digerir os acontecimentos dos últimos dias que eu passara com a família de Charles nos Alpes, a briga na noite de ano novo e a minha partida brusca na manhã seguinte. Por sorte, Charles fora apenas poucas vezes no meu apartamento na pequena Bakersfield, na Califórnia, e portanto eu não tinha tantas memórias com ele naquele ambiente, podendo andar tranquilamente pelos cômodos sem que uma lembrança dele na minha cozinha vestido numa blusa de moletom e com cara de sono invadisse os meus pensamentos.

Com uma xícara fumegante de chá, saí para a minha pequena varanda com vista para o parque ao lado do prédio onde eu morava. O inverno não era tão severo na Califórnia, e apenas uma brisa fresca atingiu o meu rosto, o fino suéter que eu usava se mostrando suficiente para me proteger dela. Como o meu apartamento ficava no quarto andar, as copas das árvores do parque ficavam bem abaixo de mim, proporcionando uma vista incrível e muito verde que me fazia esquecer das ruas, pessoas e toda uma cidade existindo lá embaixo. A calmaria de estar "sobre as árvores" me fazia ter uma visão mais clara sobre as coisas e enxerga-las como realmente eram, fazendo daquele o meu lugar favorito para pensar na vida. Naquele momento, com o olhar fixo nas folhas que balançavam preguiçosamente de um lado para o outro, quase me hipnotizando, a única certeza que eu tinha era que eu tinha feito a escolha certa ao terminar meu relacionamento com Charles. Se nos encontraríamos de novo, se teríamos uma nova chance de fazer aquilo funcionar, eu não sabia. Mas, apesar do meu peito apertado e da sensação de estar tão vazia que se um vento mais forte batesse eu seria carregada, eu sabia que se isso um dia pudesse acontecer, primeiro precisávamos passar um tempo separados.

*

Como quem vive um período de luto, me permiti afundar no meu próprio pesar por alguns dias e lamentei o fim do meu relacionamento. Apesar da angústia que me consumiu durante os últimos meses e me fez tomar a decisão que tomei, eu ainda o amava. Eu o amara muito ao longo dos anos que estivemos juntos e, droga, ainda o amava, mesmo depois de tudo que tinha acontecido. E eu não sabia se já estava pronta para me livrar daquele sentimento. Minha cabeça e meu coração viviam um período conturbado onde tristeza, alívio, dor, amor e saudade se misturavam e me confundiam, e eu era incapaz de colocar os meus pensamentos em ordem. Eu tinha contado à minha família muito brevemente sobre os acontecimentos recentes, não querendo falar muito sobre aquilo, mas depois da inquietação que vivi por vários dias, decidi ligar para a minha irmã certa noite e ter uma conversa de verdade com ela. Apesar de ser mais nova do que eu, Valentina era capaz de me entender melhor do que eu mesma, e sempre sabia dizer as coisas certas.

– Isso tudo vai passar, Cate – a voz suave da minha irmã falou ao telefone, depois de quase uma hora de conversa em que eu desabafei uma tonelada caótica de sentimentos.

– Como você sabe, Tina? – funguei, jogada no meio das almofadas da minha cama.

– Eu só sei – ela enfatizou, e eu rolei para deitar de barriga para baixo quando ela continuou: – Nada na vida é para sempre, irmã. As coisas boas acabam, mas as ruins também. Se você decidiu terminar com o Charles, é porque era o que parecia certo para você naquele momento. Se foi a coisa certa a fazer, e se vai ser para sempre ou não, só o tempo vai poder te dizer.

Suspirei, sentindo um aperto no peito e uma súbita necessidade de abraçar a minha irmã e me aconchegar em seus braços. Que droga, Tina, por que você precisou ir estudar em Yale e ficar tão longe de mim?

Depois de mais algumas horas no telefone, Valentina ainda me sugeriu que eu tentasse meditar para ver se eu conseguia colocar alguma ordem nos meus pensamentos e sentimentos, e a minha confiança na minha irmã mais nova era tanta que, no mesmo minuto em que terminamos a ligação, eu baixei um aplicativo de meditação guiada e me comprometi comigo mesma a começar no dia seguinte. Nas primeiras vezes que tentei, achei aquilo tudo uma grande besteira. O desgosto de não conseguir me concentrar me irritava e me fazia desistir depois de poucos minutos, querendo mandar tudo à merda. Mas, depois de uma ou duas semanas de insistência, foi ficando menos difícil e eu comecei a sentir algum resultado, aos poucos se tornando parte da minha rotina diária. Alguns dias a confusão de pensamentos ainda invadia a minha cabeça e me tirava o foco, mas em outros eu era capaz de direcionar a minha atenção apenas para a minha respiração, como o aplicativo ensinava, e escutar somente a música relaxante que tocava no meu fone, experimentando enfim alguma calmaria.

𝘩𝑎𝑝𝑝𝑖𝑛𝑒𝑠𝑠 || ᴄʜᴀʀʟᴇs ʟᴇᴄʟᴇʀᴄOnde histórias criam vida. Descubra agora