Trecho do diário de Harper King

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Trecho do Diário de Harper King

(sem data definida)

Eu o odeio. Odeio com todas as minhas forças. E aposto que minha mãe o odiava também. Por isso preferiu morrer. Talvez eu também prefira morrer do que ficar aqui. Simplesmente sei que esta pessoa não sou eu.

Harper King.

Filha do homem mais rico da cidade. Invejada por todos. Tenho vontade de rir quando as pessoas me dizem como sou privilegiada. Como gostariam de estar no meu lugar. Ótimo, eu trocaria de lugar com qualquer um se me fosse permitido.

Acho que Giana amaria ser eu. Ela sem dúvida daria pulinhos de felicidade em seus saltos Manolo Blahnik, comprados com meu cartão de crédito, quando eu ainda acreditava que queria ser minha amiga e lhe cobria de presentes caros, porque ela ficava toda feliz com isso. Mas Giana era como todos os outros. Apenas queria aquilo que o dinheiro do meu pai podia lhe proporcionar. E se para isso tinha que fingir que gostava de mim, então ela o fazia.

Não me lembro bem quando me dei conta que ela era apenas uma vaca invejosa. Acho que foi quando comecei a perceber que toda a felicidade pela qual me faziam acreditar que eu devia ser grata, simplesmente não existia.

Eu era uma farsa.

Toda minha infância rodeada de babás austeras e brinquedos fabulosos, me sentindo mal por deixar meu pai bravo quando eu me esgueirava até seu escritório para implorar que lesse uma história para mim, apenas para ser enxotada de lá, porque ele tinha coisas mais importantes pra fazer. Quando entrei na adolescência percebi que coisas mais importantes nem sempre tinham a ver com negócio e sim com alguma mulher jovem e bonita que pulava quando ele dizia pule e que sairia rapidamente da sua vida quando ele se cansasse, mas muito feliz por estar coberta de jóias.

Eu me perguntava se minha mãe se parecia com alguma delas. Meu pai nunca falava dela. E na minha curiosidade infantil eu cobria todo mundo de perguntas, mas ninguém parecia disposto a quebrar o silêncio, que só mais tarde entenderia ser imposto por meu pai.

E foi quando comecei a me tornar mais questionadora que meu pai também se tornou mais presente na minha vida. Não como eu sonhava antes, mas sim para, segundo as próprias palavras que ele fizera questão que eu nunca esquecesse "fazer com que eu me tornasse uma verdadeira King, dando valor ao que ele me proporcionava e sendo grata, não fazendo perguntas idiotas ou agindo feito uma criança rebelde. Afinal, eu era uma rica herdeira e tinha que me comportar como tal." E rapidamente eu me certifiquei de que isso significava me vestir como uma princesa e me comportar como uma. Colégios caros, aulas inúteis, como ballet, equitação e piano, que por mais que tentassem, não conseguiam fazer com que eu aprendesse a fazer um passo de dança decente, tocasse qualquer sonata que fosse direito ou me mantivesse sobre o cavalo sem cair de cara no chão. E isso só deixava meu pai mais furioso.

Por que eu não podia ser como as outras garotas? Por que tinha que preferir ler livros antigos e ouvir música sozinha? Por que eu detestava ser o centro das atenções, me vestir bem e falar sobre as últimas fofocas com as outras garotas ricas?

Foi então que surgiu Giana. Tínhamos a mesma idade e sua mãe, Chelsea, a irmã mais velha do meu pai, acabara de se divorciar do terceiro marido, um italiano que a deixara sem um tostão. O que fez com que ela se mudasse com a filha para a mansão King. Meu pai achou que Giana seria uma boa influência para mim. E para uma garota de 16 anos, deslocada e tímida que nunca teve uma amiga de verdade, eu também me iludi achando que seria assim.

No fundo, eu ainda era uma menina carente que queria desesperadamente deixar meu pai orgulhoso, para quem sabe assim, ele gostasse mais de mim. Então eu deixara Giana me moldar em alguém parecido com ela. Ela era bonita, descolada e elegante. Começou a estudar no mesmo colégio exclusivo de garotas que eu, e rapidamente me levou para as melhores rodas. Antes, eu hesitava em participar de qualquer grupo, por me sentir muito diferente das outras meninas, mas agora elas pareciam me aceitar muito bem. E por algum tempo, eu me enganei que era feliz assim, sendo uma delas. Gastando dinheiro com roupas, jóias e sapatos. Passando horas em salões de beleza para participar de festas e reuniões da mais alta roda.

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