02/03/21

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O último concerto

Essas notas são para vocês, que construíram um palco de madeira em uma noite tempestuosa e me forçaram a me apresentar.

Este verso é para ele, que me tocou por trás e transformou meu corpo em violoncelo, rasgando a cerne a cada movimento, sem se importar com meus gritos e lágrimas.

Essa nota é para ela, que presenciou a todos os meus espetáculos sempre na primeira poltrona, no entanto seus aplausos serviam como disfarce para os pensamentos e provocações que profanava em segredo, sem se dar conta de que seus sussurros ecoavam no palco por toda a madrugada, até me encontrarem.

Nunca pude fazer cena, ou sequer mudar uma estrofe do roteiro que preparavam em conjunto. Meus sentimentos eram mascarados e meu rosto ofuscado pelas luzes do teatro, tive que aprender a tocar de olhos fechados.

Por todos esses anos considerei nossa interação como um eterno ensaio. Os figurinos, as máscaras, os sorrisos que não chegavam aos olhos e as frases que não se completavam.  

Parece que nada do que compartilhamos juntos atrás das cortinas foi real. Ás vezes sinto que se mergulhar no fundo dos olhos dela vou encontrar resquícios de ódio e decepção. 

Não gosto de me olhar no espelho porque sempre os vejo, não consigo mais me reconhecer, não consigo mais discernir se eu sou uma criação da minha mente ou do meu público. 

Minha última melodia não é feita por mim. 



Foz da FraseOnde histórias criam vida. Descubra agora