O Último dos Príncipes

Capítulo 01

Éclair

Ajoelhado no chão eu escovei as lajotas de pedra congelada. Meus dedos ardiam pelo esforço de horas, mas nenhuma dor se comparava à da minha barriga, que latejava a cada movimento, uma agonia incessante.

Meu serviço ainda estava pela metade quando um espasmo de dor fez o esfregão escorregar das minhas mãos. Eu me desequilibrei e caí na água ensaboada.

"Ei, novato! Não fica de moleza, não!" Disse alguém de voz grave. Por um instante me apavorei pensando que fosse um soldado, mas era apenas outro faxineiro do quartel. Ele me devolveu rápido o escovão enquanto eu me recuperava.

"Obrigado." Eu me ajoelhei com o rosto torcido de dor e continuei a escovar. Meu casacão agora estava molhado, mas não a ponto da água congelante tocar minha pele.

"Precisa escovar mais rápido e com mais força. De qual setor você foi transferido, afinal? Sem querer ofender, mas nem as crianças do setor de faxina são tão molengas." Perguntou o selkie que me ajudou, um alfa esquálido de uns trinta anos.

"Construção de monumentos." Eu respondi voltando a escovar.

"Tá brincando? Um ômega miudinho que nem você? Só escuto histórias horrendas vindas de quem trabalha lá." Disse ele, esfregando ao meu lado.

"E com certeza não ouviu as piores." Eu respondi arfando, já estava exausto demais. Escovar os pátios de treinamento de Faerynga era menos difícil do que levantar blocos de mármore, mas ainda assim exigia tudo de mim.

"Bem, pelo menos você está na faxina agora, vai acabar pegando o jeito. O pior que pode acontecer é..." Enquanto falava o selkie ergueu os olhos com crescente pavor na expressão. "...é isso."

Eu levantei o olhar na mesma direção. Bem diante de nós havia um soldado alfa nos observando, com sua postura ereta, ar de superioridade e olhos castanhos afinados e analíticos.

"A conversa está boa, rapazes?" Perguntou o soldado.

O faxineiro ao meu lado estremeceu inteiro.

"Não estávamos conversando, soldado Ripple! Eu só estava explicando o serviço ao novato!" Exclamou ele.

O olhar do tal de Ripple voltou-se na minha direção, tão gelado quanto a neve fina que caía sobre nós.

"Recém chegou e já está causando problemas. Transferências para o setor de faxina são bastante incomuns, imagino que confusão causou para estar aqui escovando o chão do meu campo de treinamento."

Eu fiquei quieto olhando para ele.

Ripple afinou os olhos ainda mais.

"E então? Não vai me responder?"

"O senhor não fez uma pergunta." Eu disse.

O faxineiro do meu lado balançou a cabeça como se eu fosse doido.

"Ora, ora, temos um comediante aqui." Ripple agarrou meu braço e me puxou até eu levantar. "Vejamos se continua sendo engraçado após termos uma boa conversa no meu escritório."

****

Eu já previa que tal momento fosse chegar. Mesmo no setor de monumentos este era um problema comum e temido por todos, especialmente pelos ômegas. O abuso de poder dos soldados era tão recorrente que os operários veteranos instruíam os novatos sobre como reagir caso sofresse o infortúnio de ser o escolhido.

Soldado Ripple sentou no sofá de escritório casualmente, como se aquele fosse ser um exame médico de rotina. Ele sorriu feliz para o medo no meu rosto e cruzou as pernas confortavelmente.