Capítulo único

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Um dia frio

7 de novembro de 1817

Fui com minha família passar as férias de Inverno em nossa casa no lago, meu pai gostava de pescar sobe o gelo, e eu e minha irmã de patinar sobre ele.

Naquela manhã, ela me acordara pulando em mim e me chamando para irmos patinar. Ela estava empolgada, pois eu iria ensina-la algumas manobras que havia aprendido no inverno passado. Então me apressou bastante para que não demorasse no café, como normalmente faço, e logo fomos para o lago.

Estávamos nos divertindo muito, algo que havia tempo que não acontecia, e era exatamente como eu me lembrava. O deslizar dos movimentos na superfície fazia eu me sentir livre, e o vento frio balançava meus cabelos e queimava meu nariz o deixando avermelhado. Essa era umas das minhas sensações favoritas.

Olhei na direção de minha irmã pra ver se estava, igualmente, com um pontinho vermelho em seu nariz, e acho que ela estava fazendo o mesmo, pois olhava fixamente o meu. Nós gargalhamos e ela se desequilibrou e caiu. Olhou novamente para mim e sorriu, e eu sorri de volta.

"Vc está bem?"

Disse. Mas antes que ela pudesse me responder, escutei um estalar e sentir o gelo vibrando em meus pés tirando o sorriso de meu rosto.

Aconteceu mais rápido do que previ, apenas pude vê-la gritando, e afundando no gelo que se partira embaixo de si.

Sem poder me conter, gritei desesperadamente e lágrimas escorreram de meus olhos. Pude sentir todos meus músculos ficarem tensos enquanto me aproximava rapidamente.

Meu pai correu em nossa direção, mas ele estava longe demais para fazer alguma coisa que pudesse salvá-la a tempo. Tinha que ser eu.

Olhei na direção do meu pai que gritava e chorava, correndo o mais rápido que podia, e para minha mãe que fazia o mesmo logo atrás dele. Meus músculos ficaram aínda mais tensos, e então pulei na água.

A Correnteza me jogara para longe do buraco de onde eu vim, a água entrou em minha boca e em meu nariz, tirando o ar dos meus pulmões. Em meio ao desespero e a dificuldade de nadar com o peso dos patins, lá estava ela. Eu a vi, a havia encontrado, mas não tinha forças para voltar. Consegui, apenas, segurar sua mão como já havia feito várias vezes e como deveria ter feito segundos antes de ela afundar no lago.

Não sei quanto tempo ficamos na água, tudo parecia congelado como o gelo da superfície, apenas esperando para ser quebrado. Eu já não sabia se estava alucinando com tanta dor pela água congelante, mas senti uma mão se entrelaçando em minha cintura e pude ver o mesmo na de minha irmã.

Com os olhos quase fechados vi quando fomos puxadas de volta para a superfície fria do gelo, o que me trouxe novamente a realidade. Em seguida tudo ficou preto e eu não vi mais nada, somente a escuridão.

Acordei no colo de minha mãe que chorava desesperada. Eu respirava com dificuldade e quando ela percebeu que eu tinha acordado, me abraçou fortemente enquanto mais lágrimas e soluços a tomavam. Olhei para meu pai que segurava minha irmã nos braços, demorou meio segundo para eu entender.

Entender o porquê minha mãe chorava tanto. Entender o porquê meu pai apertava minha irmã e chamava por ela. Entender o porquê eu sentia como se ainda estivesse afundando no lago. Entender o porquê uma dor imensa crescia em meu peito, como se parte dele estivesse sendo arrancado de mim. E olhando para ela no colo de meu pai, entender, que a morte a tinha acolhido.

Um dia frioOnde histórias criam vida. Descubra agora