"Isso é coisa de criança." Aposto que você ouviu muito essa frase na infância, quando falava para os seus pais que viu um monstro no canto do quarto. E você tinha que ouvir os adultos da casa tirarem sarro da sua imaginação fértil.
Imaginação? Você não sabia o quê aquilo significava, não fazia ideia de que descobriria que o vulto na escuridão era parte de algo muito maior, que as pessoas chamavam de imaginação, e não era real. Não, não era real, você se convenceu.
Márcia havia acordado naquela manhã de quinta-feira, e repetia o mantra em sua mente; "não é real." Os olhos fechados e inquietos denunciavam seu sentimento de medo, confusão, quê quer que fosse. Ela só sabia que havia, mais uma vez, sido dominada pelas suas fobias cientificamente inexplicáveis. Seu ceticismo a fazia andar pela sombra, viver debaixo do próprio mundo, onde ter pesadelos todas as noites era completamente normal. Em seu subconsciente, durante a madrugada, centenas de borboletas azuis voavam ao seu redor, enquanto ela permanecia sentada no chão, estática, apavorada por algo, ou alguém... Que nunca parecia a alcançar.
Se levantou da cama bagunçada num pulo, afastou as cortinas da janela com pressa, sentindo o frio da manhã lhe arrepiar os braços, que se encontravam antes quentes de tanto suar debaixo dos cobertores. Caminhou direto para o banheiro, tirando sua regata cinza do corpo e prendendo os fios de cabelo num rabo de cavalo, sem demora.
Ao olhar no espelho, fez uma careta, pois havia notado manchas roxas e esverdeadas pela região de seu abdôme e costas, devido ao último caso que trabalhou, que acabou levando a policial à uma agressiva briga física. Ela puxou o ar entre os dentes ao tocar o hematoma, pois ainda estava dolorido. Suspirou enquanto entrava no box, girando a torneira do chuveiro calmamente, podia sentir as gotas de água morna dançarem sobre sua pele e isso a fez sorrir.
Apenas durante seus banhos ela se sentia bem e em paz, dançava quando sentia vontade, cantava, ou apenas levantava a cabeça, para sentir a água escorrer pelo seu rosto, relaxando-a completamente. Entretanto, ela não se deu o luxo de demorar ali, pois ainda teria que trabalhar, era um longo dia pela frente. Jogou os cabelos para trás, fechando a resistência e se enrolando numa toalha, depois de esfregar os pés molhados no pano de chão.
Sentindo-se mais calma, ela fuçou nos armários, negando para si mesma com a bagunça de roupas que havia diante de seus olhos. Puxou de lá suas peças intímas e caçou o uniforme pelo resto do quarto, que consistia numa camiseta qualquer branca e a jaqueta do departamento por cima. Vestiu tudo, deixando a calça azul escuro por último, logo calçando os tênis e estava pronta.
Dentro do departamento, não demorou muito para ver Eric ao longe, se aproximando, ele sempre aparecia com alguma novidade num caso ou reclamação sobre a gerência de Ivo. Márcia, já acostumada com o jeitinho do amigo, sempre o cumprimentava com um sorriso no rosto, apenas para não parecer muito antipática, como alguns colegas comentavam. Caminharam juntos pelo corredor principal até cada um encontrar sua mesa. A policial tinha que admitir que a papelada estava longe de ser a melhor parte de seu trabalho, mas era necessária. Ela preencheu tudo com uma expressão fingida no rosto, contando os minutos para receber um novo chamado.
E este não demorou para chegar. Ergueu a cabeça, olhando por cima do computador que estava à sua frente, para ver Ivo caminhando em sua direção, o homem bateu uma pasta de arquivos quase vazia na mesa de Márcia;
— Este caso agora é seu e do Eric. Não fodam com tudo por favor, apenas para variar um pouco.
Ao vê-lo se afastar com sua arrogante xícara de café na mão, comemorou em silêncio, antes de andar com pressa até a mesa do amigo e contar a novidade. Em pouco tempo, os detetives deixaram a construção, e partiram de carro para o local do crime; um pequeno porto de pesca localizado na orla da praia do Rio de Janeiro.
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Medo do Escuro
FanfictionDetetive e policial ambiental. Essas são as profissões de Márcia. Mas, quando um misterioso cadáver aparece na orla do Rio de Janeiro, ela precisa reorganizar suas prioridades e descobrir da onde vieram as misteriosas entidades que não saem da boca...