Pequeno passeio no inferno

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- AHHHH, pelo amor de Deus alguém me socorre!!!!!

Mais uma noite de sono perdida por causa daquela maldita! Ane não gostava dos terrores noturnos que pareciam ter tomado conta de todas as suas noites de sono, como tudo tinha começado mesmo? A garotinha de oito anos olhou pela janela, o céu estava repleto de estrelas e a lua completamente cheia irradiava seus lindos raios serenos sobre a água, o barulho de inúmeros animais contando com grilos, cigarras, o coaxar de sapos contrastava com o ambiente amazônico, não era de todo mal assim morar no interior, era uma vista bonita, mas depois de ter visto AQUILO ela não gostava mais daquele ambiente.

- O que foi menina?! – Lana já estava começando a se cansar de ir ao quarto de Ane toda santa noite, diacho de cunhantãe!

- Eu sonhei com aquilo de novo! – Respondeu a garotinha com os olhos marejados, ela ainda tinha os pelos eriçados e tremia como se estivesse acabado de levar um choque.

- Mas que coisa cunhantãe! Eu já não tinha te dito que era pra parar de pensar nessas coisa?

- Eu sei mãe, mas eu não consigo mais dormir! Eu tô com medo!

- Mas medo de que?

- Não sei, aquele pesadelo ainda continua.

- Mas já faz sete dias Ane. Só para de pensar nisso e volta a dormir!

- Tá bem mãe! Boa noite.

- Tá, trata de te quietar é que é.

*****

A noite se fazia presente mais uma vez, Ane estava assustada, estava na cozinha e seu pai tinha ido pescar, sua mãe estava cuidando das coisas da casa, o coaxar dos sapos, os grilos, cigarras, todos estavam fazendo os barulhos habituais, todos eles estavam reconstruindo aquele ambiente de novo. A garotinha estava assustada, ia acontecer, de qualquer jeito, ia acontecer de novo!!!

Um barulho inquietante veio da cozinha, as panelas de barro haviam caído e quebrado quando entraram em contato com o chão. Ane mais uma vez se via perplexa, confusa, com medo, mas, antes que desse conta do que estava acontecendo suas pernas a estavam levando direto para a cozinha. Foi quando ela viu.... Um lindo gatinho preto estava na janela e olhava fixamente para seus olhos, seu coração batia com tanta força que ela podia ouvir ele mesmo que estivesse a quilômetros de distância! O gatinho lindo espreguiçou-se, deu três voltas ao redor de si mesmo e começou a se "gerar". Primeiro vieram as pernas, logo depois, a coluna e enfim a cabeça.... Na frente de Ane apareceu um homem alto, forte, com sorriso malicioso e voz grossa, ele vestia branco e parecia rir da situação.

- Menina bonita, que fazes sozinha? Quer passear?

Ane sentia a perna tremer, queria gritar alto e sair correndo dali, queria correr em direção a "bera" pra perto da mãe que estava lavando roupa no pequeno porto. Onde estavam os irmãos? Estavam na casa dos avós, ela foi a única que não quis ir por conta do medo de andar na trilha, se sentia mais segura em casa. Que tolice! Agora ela estava diante do seu terror noturno e não tinha ninguém para salvá-la.

- Menina bonita, que fazes sozinha? Quer passear?

Não! Ela não queria passear, ela queria a mãe! Queria o pai, os avós, os irmãos, os tios e ela não aquela porcaria!!! O que era aquilo meu Deus!? A voz do homem já estava ficando impaciente enquanto ele repetia pela terceira vez.

- Menina bonita, que fazes sozinha? Quer passear?

Ane conseguiu mover as pernas dizendo uma palavra minúscula sem pensar enquanto o homem dava tchau, falava duas palavrinhas e sumia, agora a única coisa que ela podia fazer era gritar enquanto ia em direção ao porto para junto da mãe.

- Mãe! Não me deixa sozinha!!!!!!!!!!!

- Mas que diabo cunhantãe!!!! Tu não te quieta não?

- Mãe, eu vi de novo!!! Eu vi o gato preto de novo!!! – Ane encontrava-se aos prantos enquanto a mãe largava a bacia e dava colo a filha, ela já estava ficando preocupada, já era hora de ir procurar um benzedor.

Seu Jucenildo começou o dia atendendo ao chamado de dois curumins que foram bater na porta dele e agora ouvia confuso uma jovem mãe que chorava dizendo que sua filha já estava vendo um pequeno gato preto se gerar há uma semana.

- Se acalme dona Lana, cadê sua filha?

- Ela está brincando, ela fica normal durante o dia, mas quando dá seis horas pra noite ela fica medrosa, não quer sair do quarto, fala umas coisas estranhas e fica estranha até com os irmãos dela.

- Primeiro se acalme e me diga o que foi que aconteceu.

- Há mais ou menos uma semana ela estava brincando na cozinha enquanto eu tava varrendo o quintal e tirando as folhas aqui da varanda, aí eu ouvi um grito, era a Ane, quando eu cheguei ela estava de bruços na cozinha, tinha desmaiado e quando acordou falava que tinha visto um gato preto que se gerava em homem e perguntava se ela queria passear. Primeiro o pai dela pensou que era algum enxerido que estava passando por aqui, mas não encontramos nada, depois pensamos que era só imaginação dela. Mas ontem, ontem ela estava assustada e disse que tinha visto de novo. Ah, e tem mais, toda noite ela sonha com isso, eu não sei mais o que fazer!!!

- Tá bem, posso olhar sua cozinha? – Jucenildo mostrava-se espantado, ele pensava que essa entidade já tinha ido embora há muito tempo, ouvir um relato daqueles depois de tanto tempo fez seu estomago embrulhar.

Os dois foram a cozinha e ele examinou as panelas de barro quebradas, sentiu elas e teve uma sensação estranha, ruim. Era uma entidade que levava qualquer alma para o diabo, ele usava de medo, persuasão e um pouco de hipnose para levar as almas para o capiroto, mas nada que uma boa benzida e orientação não espantasse, era só um espirito de baixo escalão, não tinha muita força, Jucenildo sabia como lidar com ele e contanto que a cunhantãe não tivesse falado sim, ele não iria leva-la.

- Quando der umas cinco da tarde eu passo aqui pra benzer a tua filha, vou fazer tudo o que tenho de fazer, não se preocupe dona Lana, essa entidade não tem força, ele é mais do tipo trapaceiro. Vou preparar tudo e venho aqui mais tarde.

- Tudo bem, obrigada seu Jucenildo.

Quando deu cinco da tarde lá vinha o benzedor com suas essências na mão, ele iria abençoar a casa e as crianças e a família iriam ficar bem.

- Oi seu Jucenildo.

- Boa tarde dona Lana, tudo certo?

- Eu só queria que o senhor esperasse meu marido chegar, pode ser?

- Pode sim – Jucenildo assentiu, não tinha com o quê se preocupar afinal.

Ás seis da tarde o pequeno motor de Ronaldo aportava na beira, depois que a esposa contou toda a situação o marido consentiu que fosse feito algo para abençoar o lugar. Jucenildo ia começar quando pediu para Lana ir buscar a filha, mas antes que algo fosse feito ouviram-se gritos das crianças. A entidade estava aparecendo de novo e todos correram em direção a cozinha.

- Mamãe!!! – Ane estava nos braços do coisa ruim, agora ele não havia perguntado se ela queria ou não passear, ele só apareceu em meio as crianças na cozinha e agarrou a garotinha pelo braço enquanto abria-se um buraco preto no chão que sugava os dois aos poucos, a menininha não se segurava e aos prantos tentava resistir enquanto a mãe gritava pedindo pela filha.

Jucenildo não podia acreditar no que estava vendo, aquele espirito não podia fazer muita coisa sem permissão e pelo que Lana tinha dito ninguém deu permissão a ele pra nada... A não ser.... Quando ele pedia para passear era para passear no inferno... Antes que ele perguntasse a entidade o olhava nos olhos e sorria de canto, era claro que ele estava tentando adivinhar o que Jucenildo estava pensando e a reposta era sim! Puta que pariu! Na noite anterior, quando a entidade tinha aparecido e perguntado a pequena Ane se ela queria passear ela disse sim! Pobre alma, que o inferno a tenha.

Contos para ler após a meia noite (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora