Capítulo 1

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     Um estrondo, vidros quebrados, gritos incessantes e sangue, muito sangue. Essa era a paisagem da torre. Um completo caos que foi instaurado sem ser percebido antes da primeira explosão.

- Lydia? O que está acontecendo? - perguntou Serena quando a criada escancarou a porta do quarto e entrou.

     Sem falar nada, ela se direcionou para as roupas e montou uma trouxa. Seu irmão, Callan, havia começado a chorar com as explosões.

- O castelo está sendo invadido majestade. - A criada foi até o berço e pegou o bebê. - Tenho ordens para tirar você e seus irmãos do castelo.

- Mas e meus pais? - Serena se vestia com uma capa preta, que a tapava da cabeça aos pés.

- Eles ficarão bem. - Lydia entregou o bebê nos braços de Serena. - Mas eu preciso que você faça exatamente como eu mandar, se não estaremos em apuros, entendeu?

- Sim. - disse Serena enquanto saíam do quarto.

- Você irá descer até a ala oeste, lembra do quarto que você se escondia quando brincávamos? - Serena afirmou com a cabeça. - Ótimo, vá até ele e não saía de lá até eu chegar com Darya.

- Mas por que se esconder lá? - perguntou Serena enquanto corriam pelo corredor. - Não deveríamos sair do castelo?

- Existe uma passagem atrás da tapeçaria de seu avô, ela não é usada á anos. - Elas viraram no corredor, apressando os passos. - Ninguém além da família real sabe da existência dela. Eu só sei dela porque o rei me deu ordens de tirá-los daqui.

- Eu não entendo...

- Tudo ficará claro, apenas faça o que mandei.

     Elas começaram a descer as escadas apressadas. Serena começou a pensar em seus pais e em Darya, onde estavam e se estavam seguros.

     Conforme chegavam na encruzilhada, Lydia diminuiu os passos e guardou algo no bolso de Serena. O objeto era pequeno e não parecia ser uma joia preciosa ou algo do tipo.

- Me prometa que se eu não aparecer em quinze minutos com Darya, você passará pela passagem e fugirá com o príncipe Callan. - As mãos de Lydia seguravam os braços de Serena com firmeza.

- Eu não posso... - começou Serena.

- Você deve, é seu dever como herdeira do trono. - O olhar de Lydia estava firme, impenetrável.

     Uma explosão soou perto. Gritos de soldados podiam ser escutados pelo eco dos corredores escuros.

- Você sairá daqui e irá direto para a casa de campo, Lorde Remus os estará esperando. Quando chegar lá, peça para falar com ... - Outra explosão. Mesmo não desviando o olhar, Serena não conseguiu entender o nome - ... ele levará você até lá.

     Os gritos começaram a ficar mais altos. Estavam próximos, muito próximos.

     Sem nenhum aviso, Lydia fez uma reverência rápida e saiu com o seu olhar determinado á caminho da enfermaria - onde acharia Darya. Sem pensar duas vezes, Serena voltou a correr pelos corredores, graças aos deuses Callan havia parado de chorar.

     Quando Serena foi subir as escadas para a ala oeste, passos apressados soaram atrás dela. Ela voltou a correr, tão rápido que o ar gelado que entrava em seus pulmões fazia os mesmos arder. Correr pelos corredores vazios e com pouca iluminação se mostrou complicado e, a dificuldade aumentou quando a princesa notou cadáveres pelo chão.

- Pelos deuses - ela não sabia como reagir, a única coisa que a fez antes de continuar correndo foi desejar que tivesse sido indolor e falar "Até nosso reencontro" - um ato sagrado do reino, lhe foi ensinado antes mesmo de aprender a falar.

     Muitos poderiam achar bobo aquele gesto, mas Serena foi ensinada a zelar o seu povo, e ao olhar para eles jogados no chão, teve que dizer as palavras na antiga língua. Quando chegou no quarto combinado, Serena trancou a porta e se escondeu em baixo da cama. Callan ficou em silêncio com os olhos atentos na irmã, pareceu notar que aquele momento era perigoso.

     Ao ouvir os gritos de soldados na porta do quarto, a princesa começou a pensar em como aquilo havia começado e como ninguém havia notado nada antes da primeira explosão. Conforme o tempo passava e Lydia não aparecia, Serena reunia coragem para dar o próximo passo sozinha.

     Passado os quinze minutos Serena se levantou, ajustou seu irmão nos braços e foi a caminho da tapeçaria. Ao levantar o tecido ela viu uma espécie de porta, ela tinha a mesma cor que a parede e era pequena. Ao abri-lá, ela viu um corredor escuro e abandonado, uma brisa úmida entrou no quarto e um calafrio percorreu sua espinha. Quanto mais esperava, mais ansiosa ficava.

     Quando entrou na passagem e começou a fechar a porta, Darya entrou.

- Serena! Callan! - a pequena correu para os braços da irmã.

- Darya! Você está bem? - Serena perguntou enquanto avaliava o corpo da irmã.

- A febre não passou, mas mademe Pomps me deu um chá, ela disse que eu ficarei bem até chegarmos no destino.

- E Lydia? - Serena olhou pela porta, nenhum sinal da criada.

- Ela me mandou correr, disse que estavam nos seguindo. - Ao ouvir isso, Serena se apressou e fechar a porta do quarto novamente. - Ela disse que nos encontra depois.

- Tem certeza? - Darya afirmou com a cabeça. - Ok, escute-me bem, nós vamos sair do castelo e ir para a casa de campo, lá é o único lugar onde estaremos seguros.

     Ao olhar para a porta uma última vez, Serena abriu a passagem e entrou com seus irmãos. Darya segurava um castiçal em uma mão enquanto a outra segurava a mão de Serena. Callan continuava quieto. O caminho era repleto de teias de aranha e sujeira, as paredes continham uma escrita antiga e a muito esquecida, e quanto mais caminhavam pela passagem, mais denso o vento ficava, dando a supôr que sua saída devia ser perto do Rio Mahn.

     Quando o barulho de água corrente ficou mais alto, a luz da lua já iluminava a saída. Serena jogou o castiçal no rio para não deixar rastros, e olhou para o céu á procura da constelação do arqueiro.

- Precisamos seguir pelo rio para chegar na casa de campo. - Ela mostrou a constelação para Darya que a observava atentamente. - Procure algo que possa nos ajudar a flutuar na água.

     Serena se virou e olhou para Callan, o irmão permanecia quieto, e ao tentar ajustar o braço uma dor irrompeu no mesmo. Ela se permitiu tirar a trouxa das costas e trocar o braço que segurava Callan, o que aliviou muito a tenção dos músculos.

- Achei um barco, serve? - Darya disse um pouco distante.

- Não tem um barco dando bobei... - Serena se calou ao virar e ver o que a irmã tinha achado.

     O barco era velho, provavelmente foi esquecido junto com a passagem, ou talvez enviado pelos deuses para ajudá-los. Serena não se importou de onde viera, apenas colocou Callan e Darya dentro do barco e os tapou com as roupas. Ao colocar o barco na água, Serena se permitiu ter uma última visão de seu lar. Ou o que havia resistido as chamas.

     Com uma última oração, Serena se despediu daqueles que deixava para trás.

A Coroa - bela_uniqueOnde histórias criam vida. Descubra agora