O colecionador e a caixa de vidro; único.

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Nada mais havia de buscar. Enfim todas as peças encaixaram-se perfeitamente como se diante dos olhos, nublados pela caprichosa conquista, personificasse o corpo e a essência daquele que um dia acentuou dolorosamente seus sentimentos. E embora soubesse não ser possível tê-lo em seus braços, nada impedia que guardasse cada detalhe importante dentro de uma caixinha de vidro polido.

Gostava de admirar cada folha gasta, as dobradiças amareladas, porosas; deleitar-se no aroma petrificado de uma flor murcha e, semelhante a um marido infiel, afeiçoar-se àquilo que não lhe pertencia; que tinha dono.

Olhava especificamente para aquela flor, rodopiando o caule espremido, seco, na ponta dos dedos ásperos. Impressionava-lhe a vivacidade com que o simples objeto resgatava memórias, mais que os outros, aprisionava sensações de alguns anos atrás.

Era como um artefato do tempo, e adequava-se a tudo que dizia respeito, velho, aparência mórbida, cheirando a folhas velhas com um punhado de terra, opaco e extremamente frágil. Naquele tempo parecia tão insignificante, como se jamais fosse ser necessária, a flor, para alguma coisa.

Lan WangJi, que é o nome do rapaz a observar a dicotiledônea — uma margarida, em específico —, lembrava-se perfeitamente como a conseguiu, ou melhor, como a arrancou do cabelo de um outro jovem chamado Wei WuXian.

Aproximava-se a primavera.

Algumas flores já desabrochavam naquele tempo, nasciam na beirada da estrada por onde caminhava Lan WangJi. Predominavam as margaridas, um pouco atrás alguns lírios ainda curvados abrindo-se para a vida aos bocados.

Caminhava sozinho.

Ainda era cedo, o sol nascera há poucos, quando muitos jovens e adolescentes reuniram-se em grupos, trios e duplas para juntos irem para a escola. Cidade pequena. Não era longe, não havia a necessidade de pegar ônibus ou qualquer outro transporte coletivo. E Lan WangJi agradecia por não poder afastar-se, por assim dizer, de Wei WuXian.

Um pouco à frente, de costas para o rapaz solitário, o sorridente e brincalhão Wei WuXian conversava com um de seus colegas. Parecia não notar o olhar devoto de Lan WangJi sobre suas costas, ou o quanto este infeliz rapaz gostaria de poder fazer-se um de seus amigos, isso o mínimo, porque desejava ser algo mais; muito mais.

Acompanhou com os olhos âmbar quando o corpo esguio esquivou-se para a beirada da estrada e arrancou uma das margaridas do arbusto. O grupinho havia parado um pouco à frente, e todos falavam numa galhofada: — Pega mais uma! Quero uma também.

WangJi diminuiu os passos, fingiu amarrar o cadarço enquanto WuXian juntava mais flores. Queria continuar atrás observando de longe aquele que punha todas suas noites em branco. E assim que o outro deixou a beira da estrada com cinco flores na mão e uma detrás da orelha, foi que WangJi findou a laçada em seu tênis.

Naquela época, não imaginava que a flor branca cheia de pétalas seria o último artefato que arrancaria, escondido, de Wei WuXian; tampouco imaginava que aquele dia seria o ponto final para todas as suas esperanças de um dia ter o rapaz sorridente a seu lado.

Estudavam na mesma sala, e cursavam o último ano do Ensino Médio. Desde o primeiro ano tomou cuidado em sentar-se na última cadeira da fila para observar, de longe, Wei WuXian na primeira cadeira. Não tinha coragem em dizer-lhe absolutamente nada, na verdade, nem sabia como deveria chamá-lo.

Só sabia que o admirava desde o primeiro momento quando o viu desafiar um dos professores da escola com suas novas idéias. Ah, chegava ser tão inteligente. Como não se apaixonar?

— Wei WuXian? — perguntou a professora fazendo a chamada naquela manhã.

— Presente! Tô aqui professora.

Colecionador; Mo Dao Zu ShiOnde histórias criam vida. Descubra agora