.

219 34 5
                                    

"As melhores pessoas carregam alguma cicatriz." – Kiera Cass

Um espelho. Um objeto tão simples, que aparentemente não poderia fazer mal algum...a não ser que se demorasse demais diante dele.

A primeira parte que Remus viu da própria imagem foram os olhos. Não havia nada de errado com eles, a princípio. Cansados e repletos de olheiras, sim, mas humanos, ao menos. E para quem já havia tido pesadelos na infância em que nunca mais acordava humano, aquilo era mais do que suficiente.

Desceu o olhar até as vestes. Gastas e cheias de remendos. Num aspecto deplorável, maltrapilho; ele sabia. Contudo, que podia fazer? Ninguém lhe dava emprego; Dumbledore havia sido um dos únicos a lhe prestar tal favor. As pessoas tinham receio, medo. Algumas lhe diziam que ele era um monstro... às vezes, Remus se perguntava se elas estavam certas.

Subiu de volta para seu rosto. Pálido, doente.

Parou nas cicatrizes. Ah, as cicatrizes. Eram a pior parte, sem dúvida. Nunca era agradável mirá-las, não por estética, Remus jamais tinha se preocupado demais com isso, mas sim por toda a dor que elas traziam. Antes estivessem no seu rosto que no de outrem, mas ainda assim, odiava-as, porque aquelas marcas eram a lembrança viva e constante do que ele era e jamais deixaria de ser.

Suspirou. Era isso que todos viam quando olhavam pra ele? O tal monstro de que falavam?

Subitamente, uma nova imagem surgiu no espelho, e o homem melancólico fitou-a. Uma garota sorridente, de cabelos coloridos e olhos escuros brilhantes como constelações.

- Sabe que eu gosto dessas suas cicatrizes?

Ele riu. Tonks, sempre tão...ela.

- É sério! - insistiu a garota, imaginando que o riso tivesse sido de descrença. - Acho que é porque de alguma forma me lembram as do Harry, ou as de Olho-Tonto... Bom, todas as cicatrizes tem algo em comum de certo modo, não é? Se você tem uma cicatriz, significa que foi forte o suficiente para superar aquilo que a causou. Tem uma beleza oculta. Pelo menos pra mim.

Ela tocou-o no ombro durante o discurso, aproximando-se mais. Ele não se mexeu, enquanto cada palavra dela penetrava seu coração e cada célula do seu corpo sentia aquele toque, o das mãos e o das palavras, por cima das roupas e das dores da alma.

A quietude deixou-a apreensiva:

- Viajei muito? Foi mal, às vezes faço essas coisas. Mas é o que eu penso, de qualquer forma. – a jovem deu de ombros, e saiu do corredor antes que Lupin pudesse esboçar qualquer resposta.

Ele viu o reflexo dela se afastar e sair da moldura lascada, e então instintivamente voltou os olhos para sua própria imagem, agora solitária.

De repente, mirar todas aquelas cicatrizes deixou de ser tão doloroso assim.

CicatrizesOnde histórias criam vida. Descubra agora