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Dez dias haviam se passado desde o retorno da viagem.

Foi satisfatório, para dizer o mínimo. Pôde sentir a própria criatividade revitalizar, e a alegria que a noite como um todo havia lhe trazido - as tradições bonitas e o clima feliz - pareciam não querer lhe abandonar. Talvez exatamente por elas, o leve tom surreal, mas ainda de visão verdadeira o bastante para ser palpável, se mostrava tão presente.

Era apenas mais um início de noite. Por lá, ninguém saia de casa após o pôr do sol, então no alto entardecer fechou a pequena loja - que não precisava, conseguiria se manter com o que conseguiu da forma mais tradicional do mundo: herança, mas a ideia de viver em ócio era quase tão repugnante quanto de deixar sua paixão murchar - onde vendia os quadros e separava os que precisavam ser finalizados dos que só precisavam secar. Os últimos seriam postos fora, perto do mato onde ninguém se atrevia a entrar por causa das superstições. Assim evitava ao mesmo tempo roubo e que o insuportável cheiro de tinta impregnando na casa.

Foi nesse ponto que foi desviado de seus planos.

Havia acabado de os pôr fora, prendendo pelas molduras às árvores para que o vento não os batesse, quando ocorreu, rápido e estranho como soa.

Uma voz, que só podia descrever como possuindo o som insuportavelmente doce de quando se toca copos com água, chamar por seu nome. Não seria, é claro, idiota de ir atrás no meio do escuro, então simplesmente pegou o caminho de volta desejando chegar em casa.

O caminho, que já havia feito mais vezes do que podia contar, parecia mais longo do que nunca. E, quando saiu do mato denso, qual não foi sua surpresa quando, em vez da entrada do burgo, encontrar uma clareira.

Um cercado de gravetos com uma única entrada, e posicionadas sem padrão aparente várias estacas, cada uma com um crânio flamejante iluminando a proximidade. Dentro do cercado, uma cabana sustentada com pernas de galinha.

Isso é sonho. Repetia a si mesmo. É um sonho, eu só preciso acordar.

-- É rude não responder quem te chama.
Falou atrás de si a voz de antes, mas mais vívida, sem a doçura insuportável. Encre saltou de susto, olhando a figura encapuzada de órbitas arregaladas.
-- Ah, quem sou eu para falar? Onde estão meus modos? Entre, meu jovem, saia do frio.
Vez disso, o tom era quase acolhedor, embora algo estivesse obviamente errado.
-- É perigoso andar pela floresta sozinho, e à noite ainda mais. E, já que fui eu quem lhe dei o convite irrecusável, o que não seria rude de não ser anfitriã?

A cabana parecia maior por dentro do que por fora. Mesmo o interior, à primeira vista, não parecia muito diferente de qualquer outra casa, quase desnecessariamente grande para uma pessoa só.

O ponto que o par terminou era aos fundos, atrás de uma porta que deveria ser a mais trabalhada. Não eram visíveis junções onde teriam sido unidas tábuas, e era pintada simulando o céu noturno, com uma lua minguante dentro de uma cheia ao centro.

-- Você tem sido obediente, jovem Encre.
A mulher sorria com simpatia, que não conseguia dizer se carregava malícia.
-- É verdade que não tenho lhe pedido nada muito complexo, mas a colaboração me satisfaz.

-- Eu a respeito... -- hesitou -- ... avó.

Podia ser um sonho, mas seus sentidos estavam tão atentos quanto poderiam. O medo era verdadeiro, o impedindo de a contrariar.

A porta foi fechada atrás de si, e uma lâmpada a óleo foi acesa, mostrando o pequeno ambiente. Prateleiras e estantes cheias com coisas que conhecia e outras que achava que deveria ser melhor continuar sem saber.
No centro, uma pequena bancada, como se veria em uma venda.

Vampire Verse - Sun and MoonOnde histórias criam vida. Descubra agora