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O vento soprava com gentileza, arrastando consigo vários gramas de poeira e cinzas. Cinzas, principalmente, após erguer e deixar decair várias fogueiras.

A luz e calor intensos ligados ao dia mais longo do ano. Especialmente influente naquela vila.

Lembrar datas é muito mais fácil quando estão ligadas a uma celebração. O equinócio de outono foi próximo de seis meses após a concepção de seu filho, então não houve grande surpresa quando acordou sentindo movimentos em si, vindo da alminha que estava em uma bolha formada de sua própria magia, desenvolvendo seu corpo.

Seis meses tão difíceis.

Desde o encontro com a baba yaga, estivera inquieto, mas sabia que precisava tomar uma decisão antes que começasse a ter sintomas que fariam outros desconfiarem. Chegou naquele mesmo dia, e mais uma vez tirou proveito das superstições.

Se ficasse, estaria separado entre a possibilidade de descobrirem que a criança é um meio sangue ou não... e nenhuma era boa.

A criança sem dúvidas seria morta, e talvez Encre também seria executado por ter carregado um meio sangue e escondido isso. Ou excomungado, o que em um burgo onde todos conhecem todos poderia ser pior do que morrer.

Mesmo se não descobrissem, ter um filho sem ser casado não era exatamente algo bem visto. Poderia afirmar que um bandido o violou naquela noite para evitar excomunhão, mas a mentira facilmente cairia por terra quando buscasse um curandeiro para conferir a saúde de ambos, já que não só as datas não bateriam, mas antes daquela noite estava a encarnação da alegria.

A solução restante era apenas uma: ir embora do burgo e começar vida nova.
Foi a que tomou, deixando para trás apenas uma carta que poderia lhe dar cinco a quinze dias de tranquilidade.

Passou três semanas na estrada, nos primeiros três dias precisando viajar à noite para não ser achado por guardas. É claro, havia perigo, mas o se fosse achado era mais do que uma possibilidade.
Em uma dessas noites, em um momento insone, acendeu um dos incensos no fogo. Quando acordou, haviam outros animais, incluindo predadores, dormindo perto de si. O ramo mal parecia ter queimado metade de uma polegada.

Depois, pôde viajar de dia com mais calma, e procurar abrigo nas estradas quando começava a anoitecer.

Também foi nesse tempo que ficou mais atrevido. Usando um colar de crucifixo bem à vista para não levantar suspeitas, saiu pesquisando por onde passava sobre junções entre humanos e monstros. Se tivesse bastante sorte, sua companhia responderia em vez de simplesmente fazer o sinal da cruz e o mandar não falar sobre isso nem de brincadeira. Se fosse extremamente sortudo, lhe dariam resposta ao que perguntou em vez de apenas repetir os alertas que cresceu ouvindo.

Não tinha certeza de a que ponto estava certo, mas considerando que a menos de um quarto de ano sequer acreditava que os seres das superstições eram reais, registrava nas últimas páginas de seu caderno de rascunho, embora recebendo com uma gota de ceticismo.

O que conseguiu juntar, era que basicamente qualquer monstro podia se misturar com humanos e tomar um como amante, seja por possuírem naturalmente a aparência semelhante, ou por serem capazes de disfarçar suas aparências normais com mágica.

Mas, a maioria dessas uniões profanas não resultariam em gravidez não importasse quantas vezes em que dias ocorressem, então a sua lista de possibilidades caiu consideravelmente.

Entre os que podiam, haviam quatro repartições principais:
a criança nasceria invariavelmente um monstro, considerada impura mas parte deles;
a criança teria chances mais ou menos iguais de nascer humana ou monstro, e isso seria notável ao nascer;
a criança nasceria humana, mas com chance de se converter em monstro no futuro;
a criança seria mista.

Não tinha olhos treinados para buscar sinais, e mesmo se tivesse, não lembrava tão explicitamente da aparência do estranho; em sua memória, era apenas uma sombra de olhos vermelhos. Torcia para ser um do segundo grupo e viesse humano - mesmo que o possibilidade de ter entregado sua virgindade a um ogro fizesse seu estômago revirar - mas era uma chance de no máximo uma em oito. Qualquer outra precisaria passar muito tempo escondendo a criança até ela poder aprender que precisava agir com discrição.

Havia chegado naquela vila depois de três semanas na estrada. Estava grávido a um mês e começando a ter sintomas. Ao que parecia, naquela área costumavam haver refúgios para aqueles seres, então havia uma instalação onde caçadores costumavam morar e foi desocupada depois que a região foi considerada limpa.
Era a cabana onde estava, da qual havia se apropriado depois de um homem velho lhe mostrar como chegar.

Não era muito grande, então devia ter sido um grupo pequeno, e havia alguma mobília que havia sido construída aderida às paredes ou o chão, mas não não ter muito não foi grande problema. Não tinha pressa, de qualquer forma. Podia ser, em estilo, o estereótipo associado à burguesia, mas poderia ficar bem com apenas as necessidades cumpridas por quanto tempo fosse necessário.

A localização era perfeita, também. Era um pouco dentro da floresta, então o que acontecer lá dentro não viraria lenha para mexericos, mas não fundo ao ponto de ser necessária uma jornada para ir e voltar da vila principal. O que era uma necessidade, para ter acesso a mercadorias e poder vender suas próprias.

Para selar a sua carta de vida nova, só faltava a si mesmo.

Então, para os vilãos, era Encre "Lemiroy", um "viúvo" que perdeu seu parceiro "para varíola" e partiu de sua terra natal fugindo de "memórias".
Haviam perguntadores, mas os mil contos que contou na estrada foram linha suficiente para costurar um grande que os calasse.

Provavelmente seria uma boa ideia trocar o primeiro nome também, mas não confiava em si mesmo para responder apropriadamente quando fosse chamado pelo nome novo, ou ter um deslize e dizer "Encre" quando perguntassem seu nome. Se tiver alguém procurando por si, há de se referir pelo nome completo, então, enquanto para os demais não houvesse Coleur nenhum por lá, estaria seguro.

Foi lá que passara o verão. E, talvez apenas sua própria curiosidade e paciência se conflitando normalmente, talvez houvesse ajuda dos hormônios, onde plantou apenas uma das sementes que recebeu de presente. A árvore cresceu em três dias, e em cinco mostrou que era uma macieira. Mais uma vez agradeceu que árvores por lá não eram algo que faltava, mas por teste enterrou o miolo de uma das maçãs, e aconteceu a mesma coisa.

Ser madrinha deve significar muito para uma bruxa, para praticamente entregar à mãe algo assim em troca do título...
O pedaço de tecido provavelmente demoraria mais para entender.

Mas, por hora, apenas as sementes estariam ótimas. Seu filho nasceria no meio do inverno. Em alguns dias tentaria conseguir galinhas adultas; seriam igualmente úteis.

Inverno por si só já não tem piedade, quem dirá de resguardo. Elas lhe permitiriam sobreviver, enquanto lidava com as mudanças e tentava entender o que ele era.

Por enquanto, o que tinha era o bastante.

Vampire Verse - Sun and MoonOnde histórias criam vida. Descubra agora