Único

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tw: desrealização e crise de pânico

Sakurayashiki esfrega os olhos quentes de sono pela terceira ou quarta vez desde que se deitou, perguntando-se que horas eram.

Ele sinceramente não sabia se não conseguia dormir por causa da dor em todo o seu corpo e rosto ou pelos pensamentos que gritavam e se atropelavam e falavam coisas que não queria ouvir. Esteve tentando adormecer há algum tempo, mas sempre terminava desperto e frustrado por imagens e palavras do passado, fosse ele longínquo ou recente. O estresse acumulado do trabalho também não era de muita ajuda, e continuava repassando em sua mente as coisas que tinha que fazer nos próximos dias e de quantas maneiras elas podiam dar errado, criando uma bagunça entre as linhas do tempo ao ponto de não compreender mais o que era pretérito, presente e futuro.

Era quase como se a vida fosse um sonho estranho e mal explicado assistido em terceira pessoa. O teto branco ondula e apresenta um efeito de granulação diante da visão dele, parecendo mais próximo do que antes, ou talvez mais afastado. De repente, ele se esquece de tudo o que é, do que faz, do que foi um dia; mas ele sente falta de algo que faz seus olhos lacrimejarem. Há apenas um nome vagando em sua frente: Adam.

Sakurayashiki ergue uma das mãos e se assusta por não reconhecê-la, mesmo sabendo que havia dado o comando do movimento. Uma pontada de dor física o faz lembrar que estava machucado, e quase consegue sentir a prancha de um Skate atingindo seu rosto novamente. Um enorme sentimento de angústia que vinha sendo recorrente nas últimas vinte e quatro horas toma conta de seu ser, a voz na sua cabeça repetindo as mesmas perguntas diversas vezes.

Adam, por que você fez isso?

Adam, por que você mudou?

Adam, por que você me quebrou por inteiro?

Eu achei que ainda éramos especiais.

As lembranças voltavam apenas para se despedaçarem outra vez, muito mais dolorosamente do que antes. Os bons momentos do ensino médio ao lado de Joe e Adam e a relação que tinham tornando-se cacos de vidro quebrados, atingindo diferentes pontos de sua pele, derretendo como um tipo de fluido amargo que invadia sua boca, dando lugar a mais e mais perguntas e pensamentos que o faziam desejar que explodisse ali e agora. O pânico paralisa seus movimentos, mas acelera seu coração e sua respiração, o faz tremer e suar.

Ele força sua garganta a emitir algum som e chama por Carla, pensando que devia tê-la feito tocar alguma música muito antes, mas um farfalhar de tecido ao seu lado o lembra do porquê não ter feito isso assim que se deitou. Não estava em casa.

— Falou alguma coisa?

A voz de Kojiro, rouca de sono, soava familiar e agradável em seus ouvidos, trazendo ao menos um pouco de conforto para seu interior turbulento.

— Não.

Sakurayashiki se concentra em tentar regular sua respiração e seus batimentos. Se estava sendo observado ou não, não tinha certeza, mas Kojiro parece perceber o que ele estava fazendo.

— Você estava tendo uma crise?

Há um breve momento de silêncio.

— Não.

Era uma mentira óbvia, mas não houve comentários a respeito. Nenhum deles fala nada até Sakurayashiki se estabilizar.

— Sinto muito, eu devia ter me certificado que você adormecesse antes de mim.

— Não é culpa sua.

Sakurayashiki sente Kojiro puxá-lo para perto e acariciar seus cabelos rosados como flores de cerejeira. Faz ele se sentir bem e seguro, e, estando finalmente calmo, também sente o cansaço se espalhar em seu corpo e mente aos poucos, como se uma pedra pesada tivesse sido retirada de cima dele. Era difícil formular uma frase que fizesse sentido estando tão tonto.

— Ei, Kojiro.

— Hum?

— Eu vou ficar bem, certo?

A pergunta soa triste para seus próprios ouvidos.

— Vai. Você sempre fica, não é? Mesmo quando acha que não. E eu vou estar aqui para me verificar que você fique quer você queira ou não, maldito quatro olhos — A última parte faz Sakurayashiki querer rir, mas ele está fraco demais para isso — Você não está sozinho, Kaoru. Nunca esteve.

Um sorriso pequeno, mas leve, se forma nos lábios de Sakurayashiki. Ao menos naquela madrugada, não precisava que Carla tocasse uma melodia para ele dormir. As palavras de Kojiro foram relaxantes o suficiente para isso.

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