Capítulo um

1.1K 40 6
                                    

O professor de história andava de um lado para o outro em frente à lousa enquanto explicava a matéria que havia acabado de passar. Ao meu lado, Mirela estava atenta a explicação, e eu devia estar fazendo o mesmo já que a prova dele estava se aproximando, mas, em vez disso, eu estava mordiscando a unha do meu polegar enquanto olhava fixamente para o relógio. Aquela era a nossa última aula do dia e faltavam pouquíssimos minutos para o sinal tocar, eu já havia pensado em várias rotas de fuga para evitar um encontro com certa pessoa, e entre elas estava a opção de me esconder no banheiro e esperar até que ele fosse embora, no entanto isso seria algo bem patético. Então minha única opção era sair rapidamente da sala para despistar minha melhor amiga e assim não ter que aceitar sua carona.

E foi exatamente isso que eu fiz.

Quando o sinal finalmente tocou, aproveitei que Mirela foi até a mesa do professor para tirar algumas dúvidas e guardei meu material rapidamente, colocando a mochila sobre os ombros e me espremendo entre a multidão de alunos que estavam no corredor assim que saí da sala de aula. Obviamente, eu não era a única a querer ir embora logo e por isso demorei alguns minutos para conseguir chegar ao pátio do colégio. Quis comemorar quando finalmente passei pelo portão, porém a exclamação ficou presa na garganta quando reconheci o carro parado ao lado da calçada e o cara encostado nele.

Rafael.

Ele estava apoiado na porta do carona, com as mãos no bolso da calça jeans e me encarava de forma séria, apesar disso eu podia ver o canto dos seus lábios levemente curvados, como se quisesse rir de mim e soubesse exatamente o que eu estava fazendo. E, provavelmente, ele realmente sabia.

— Está fugindo de alguém, Talita? — indagou, arqueando a sobrancelha.

Droga, eu devia ter ficado no banheiro!

— O quê?! Claro que não — respondi, talvez rápido demais, desviando o olhar para encarar um ponto fixo no meu tênis que parecia bem interessante naquele momento. — Olha, eu preciso ir agora. A gente se fala depois.

Dei as costas para ele, pronta para correr para longe dele e do seu olhar desconcertante, ainda assim, mais uma vez, o meu plano de fuga foi por água abaixo quando encontrei Mirela vindo em nossa direção.

— Aí está você! Pensei que estivesse fugindo de mim. — Ela reclamou quando se aproximou, encarando-me com as sobrancelhas franzidas, e depois sorriu para Rafael. — Oi, maninho.

— Óbvio, que não, Mi. De onde você tirou isso?! — Minha voz saiu um pouco estridente e eu torci para que ela não tivesse notado.

A verdade era que eu realmente estava fugindo, mas não era dela. Eu estava fugindo de alguém muito mais alto, com um olhar castanho que me desconcertava, um sorriso fofo e um beijo que me deixava sem fôlego.

Droga! Eu não devia estar pensando nisso.

Ainda assim, no final, minha fuga não deu muito certo, já que acabei dando de cara com Rafael logo que passei pelo portão.

Minha amiga encarou-me desconfiada por alguns segundos, entretanto logo deu de ombros e segurou meus ombros, virando-me para andarmos até o carro. Rafael deu a volta para sentar no banco do motorista e Mirela abriu a porta de trás, porém antes de entrar ela se virou para mim com um sorriso de falsa inocência.

— Tali, você não se importa de ir na frente, não é? Aquela aula de educação física me deixou destruída e eu preciso muito esticar minhas pernas.

Abri a boca para dizer que ela não podia estar cansada, já que fingiu machucar o pé durante a aula para fugir dos exercícios, no entanto ela não me deu direito de resposta e fechou a porta na minha cara. Uma grande vaca. Sem outra alternativa, eu respirei fundo e abri a porta do carona. Rafael sorriu quando entrei no carro, apesar disso eu ignorei e olhei para frente enquanto colocava o cinto.

— Vocês querem comer algo antes de irem para o pré? — Rafael perguntou, dando partida no carro. Mas antes de sair da vaga ele percebeu o que a irmã estava fazendo e virou-se rapidamente em sua direção. — Mirela, será que tem como você sentar direito e colocar o cinto?

Minha amiga, que estava com as pernas esticadas sobre o banco, bufou, contudo fez o que o irmão pediu. Não sem antes mostrar a língua para ele, em uma atitude nada infantil.

— Você é chato — resmungou, todavia logo mudou de assunto, respondendo a pergunta que ele havia feito. — A Talita não tem aula hoje, e como os professores estão passando apenas revisão eu pensei em faltar e fazermos algo juntos. O que acham?

— Nossos pais sabem que você pretende faltar? — Rafael indagou e Mirela bufou mais uma vez.

— É óbvio que não. Ainda assim tenho certeza que se eu explicar à mamãe que é só revisão ela nem vai ligar. É só a gente passar no restaurante rapidinho.

— Não precisa faltar por minha causa, Mi — respondi, atrapalhando seus planos. — Não estou me sentindo muito bem e prefiro ficar em casa. Podem me deixar lá antes de você ir para o cursinho?

— O que você está sentindo? — indagou, preocupada, surgindo no vão entre o meu banco e o de Rafael.

— É só um mal estar, nada de mais. — Forcei um sorriso e ela estreitou os olhos, parecendo bastante desconfiada.

— Tem certeza? Não quer ir ao médico ou que eu fique no apartamento com você até melhorar?

— Não precisa, obrigada.

— Tudo bem, então — murmurou, soando desanimada e voltou ao seu lugar. — Vamos deixar a Tali em casa, Rafa.

Escutei o suspiro de Rafael, contudo evitei olhar em sua direção e preferi manter minha atenção no chaveiro da minha mochila. Um unicórnio fofinho que ele me deu de presente.

Eu sabia que estava sendo uma estraga prazeres e não estava feliz com isso, entretanto eu não sabia se conseguiria passar mais tempo ao lado de Rafael sem lembrar o que havia acontecido no domingo. A verdade era que eu não fazia ideia de como agir com ele depois do que aconteceu e por isso achava melhor fugir.

O clima ficou um pouco estranho depois do meu pedido, então Mirela pediu para o irmão ligar o rádio e foi o caminho todo cantando as músicas que tocavam. Ela tentou fazer com que eu cantasse junto, contudo eu não estava com ânimo e quase suspirei de alívio quando o carro parou em frente ao meu prédio. Despedi-me rapidamente dos dois e praticamente corri até chegar ao elevador, recostando-me na parede espelhada assim que as portas metálicas se fecharam, sentindo meu coração bater desenfreadamente em meu peito.

Ao entrar no apartamento, deixei a mochila sobre o sofá e fui direto para o banheiro, tudo que eu precisava naquele momento era de um banho refrescante e relaxante. Debaixo do chuveiro eu fechei os olhos e deixei que algumas lembranças invadissem minha mente, sentindo meus lábios formigarem ao lembrar dos nossos beijos.

Nós estávamos tão bem, por que ele tinha que estragar tudo?

Suspirei, terminando de me enxugar e enrolei a toalha no corpo para sair do banheiro, recolhi as roupas que eu havia deixado no chão e quando cheguei na sala, encontrei a tela do meu celular acesa. Ao pegar o aparelho encontrei três chamadas perdidas de Rafael e estava na dúvida se retornaria à ligação quando meu celular vibrou na minha mão com a chegada de duas mensagens dele:

“Nós precisamos conversar.”

“Até quando você vai continuar fugindo?”

Meu Clichê [AMOSTRA]Onde histórias criam vida. Descubra agora