Quando eu era adolescente, costumava ter pesadelos horríveis com o vírus. Quase sempre me via cheio de manchas na pele, com meu pescoço inchado e coberto por vergões roxos — coisa que me deixava desesperado ao ponto de acordar aos gritos.
O medo de ser contaminado só não superava o medo de perder a minha família. E foi exatamente o que consegui ao longo do tempo. Forçando meu irmão a entrar naquela nave, quando tudo o que ele queria era ter uma chance de se despedir da nossa mãe, acabei sendo super protetor e autoritário demais. Aquele foi o primeiro passo para que nos afastássemos.
Por isso, quando acordei, a primeira coisa que pensei foi no Roxo e Ciano juntos. Só depois disso me dei conta que estava deitado em uma maca, com os braços e pernas amarrados enquanto Rosa me cutucava com um bisturi.
A dor veio com tudo e não pude conter a necessidade de gritar.
— Sabia que ele acordaria. – disse uma voz, vinda no fundo da enfermaria, alguém que simplesmente tampou um dos ouvidos enquanto eu gritava descontroladamente.
— Ajude aqui, por favor! – disse Rosa, movendo a maca quando percebeu que eu começava a forçar as amarras. – Não deixe que ele se solte, preciso estancar a hemorragia.
— E precisa de um bisturi pra isso?
— Tem muita pele morta e pus aqui, preciso arrancar isso tudo primeiro.
— Eca! Você vai ter que me compensar mais tarde, hein.
Estava confuso demais para entender o que eles diziam. Para mim, aquela era a voz do Preto, mas quando tentei focar no rosto dele, só enxerguei um borrão.
A dor em seguida foi insuportável. Devo ter desmaiado e voltado ao ar algumas vezes durante o procedimento. Isso porque ele não podia usar anestesia; o vírus poderia agredir ainda mais meu corpo se fizesse isso.
Em certo momento cheguei a me perguntar: quando todo aquele sofrimento iria acabar?
A resposta, não seria nem um pouco agradável...
***
Quando acordei de verdade, estava em uma cama confortável. Os lençóis eram macios e havia uma sensação de calmaria que se ampliava com as luzes amareladas. Demorei para me situar e entender que aquele não era o meu quarto e muito menos a enfermaria.
Com os olhos embaçados, dor por todo o corpo e uma pontada no peito, fui me movendo aos poucos.
A primeira coisa que percebi era que estava nu, com um monte de gaze enrolada no meu abdômen e os lábios ressecados de sede. Afastei o cabelo dos olhos, esfreguei o rosto e tentei olhar o que havia ao meu redor: uma mesa com um notebook aberto em cima dela, papéis espalhados por todos os cantos e uma cadeira bem ao lado da minha cama. Identifiquei que o quarto era do Rosa quando vi o colete dele pendurado atrás da porta.
Procurei pelo meu amigo, tateando a mão até encontrar o corpo dele — praticamente desmaiado de cansaço — aos pés da cama.
Ele estava sentado com a coluna torta na cadeira, e quando a minha mão encostou no seu ombro, Rosa ergueu a cabeça e soltou um longo bocejo.
— Ah, você acordou. – Ele disse, ajeitando os óculos e olhando para o relógio no pulso. – Achei que fosse dormir por mais um dia.
— Fiquei apagado tanto tempo assim?
— Quase 48 horas.
Quando ouvi aquilo tentei me levantar, mas a dor logo me tirou a possibilidade.
— Droga. As câmaras, as tasks da nave...
— Não se preocupe, cuidei de tudo enquanto você tava apagado. Lidei com a Laranja, distribuí as tarefas e te mantive longe dos outros. Todos acreditam que você só tá deprimido depois do que aconteceu.
— Eles já sabem, então?
— É, infelizmente. – Rosa segurou a minha mão, sem jeito. – Sinto muito, de verdade. Eu gostava do Roxo, mas falei que namorar alguém da nave seria complicado.
Não queria conversar sobre aquilo.
A última coisa que queria era falar sobre o Roxo e o Ciano.
— E alguém descobriu sobre mim? – perguntei. – Lembro do Preto na enfermaria.
Rosa soltou minha mão e ajeitou os óculos outra vez.
— Quê? Não havia ninguém lá além de mim. – Ele afirmou, franzindo o cenho.
— Mas... Juro que vi alguém. Lembro da voz dele conversando com você.
— Fiz tudo sozinho. – Ele repetiu a história. – Tive que realizar o procedimento sem anestesia, então as portas ficaram vedadas pra ninguém ouvir os gritos. Seria loucura colocar seu maior inimigo lá dentro.
Aquilo não fazia sentido para mim. Lembrava do momento em que o Preto se aproximou para me segurar, senti até o toque dele antes de apagar... Por que o Rosa estava mentindo?
Ou será que era a minha cabeça pregando uma peça?
— Deve ser a doença ou o choque. - ele continuou. – Sabe que ter alucinações é algo comum nesses casos.
Sim, um dos sintomas do vírus era confusão mental. Mesmo assim, era estranho tudo ter parecido tão real...
— Quando as coisas ficaram tão complicadas, Rosa? – perguntei, com um sorriso tristonho. – O Ciano é a porra do meu irmão... Por que ele fez isso comigo?
— Se ele soubesse da sua doença, não teria feito aquilo. Precisa conversar com ele, Vermelho. Seu irmão está arrependido.
— Não tenho mais nada o que falar com ele. O que preciso é revidar.
Rosa arregalou os olhos quando ouviu aquilo.
— O quê? – ele quase soltou um grito. – Não me diz que tá alucinando de novo.
— Meu irmão já me tirou coisas suficientes. Não vou deixar que fique com o Roxo.
Meu amigo se levantou da cadeira, batendo o pé no assoalho e rangendo os dentes como sempre fazia quando ficava nervoso.
— Não tá pensando em brigar com seu irmão de novo por conta daquele filho da puta, está?
— Você não entenderia. Nunca gostou de ninguém pra valer.
Rosa baixou os olhos, magoado.
— Acha que nunca gostei de ninguém?
— Esquece o que eu disse. - pedi, tentando me mexer de novo para sair daquela cama. - Só me dá logo as minhas roupas. Tenho muito o que fazer.
— Tipo o quê?
— Prender o meu irmão, é claro. – falei, com um sorriso diabólico. – Passou da hora dele aprender a me respeitar.
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Among Us | Gay Fanfic +18
Ficción GeneralUma espaçonave carrega os últimos resquícios da espécie humana. Sem nomes, sem destino e com a tarefa impossível de sobreviver a um vazio sem fim, os poucos tripulantes precisam enfrentar um mal misterioso entre eles. Algo poderoso, capaz de destrui...