Me beija com raiva.

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Wangji conferia seu relógio de pulso a cada quinze segundos, como se a insistência sozinha fosse capaz de fazer o tempo passar mais depressa. Estava impaciente e exausto e não via a hora de fechar o estúdio e ir embora.

Eram só sete minutos.

Sete minutos que mais pareciam sete horas.

Não era como se não gostasse do seu trabalho, muito pelo contrário. Só andava indisposto por causa das últimas noites inquietas. Precisava dormir apropriadamente, fazer uma refeição decente e ver seu noivo. Depois disso sua rotina voltaria ao normal.

Wangji era músico e lecionava em tempo integral. Recebeu uma proposta para ensinar num estúdio em Yiling, um grande polo cultural, assim que se formou e não pensou duas vezes. O lugar ficava um pouco longe de casa e Wangji não era tão favorável a ideia de se mudar para longe da família, mas seu empregador pagava bem e estava lhe oferecendo uma oportunidade praticamente vitalícia de trabalhar na sua área. Não tinha como dizer não.

Era graduado em música e havia se especializado no seguimento clássico. Se lembrava de ter optado por aquele curso porque respirava música desde que se entendia por gente, não se via fazendo outra coisa. Persistiu nele mesmo sob a reprovação velada de sua família e não se arrependia, mas na época precisou confessar que não havia pensado no que iria fazer da vida. Não tinha nenhum tipo de ambição envolvendo fama, até porque nem achava viável ter uma carreira pública focada num tipo tão específico e desprestigiado de música. Mesmo que fosse uma possibilidade, estava muito confortável tendo sua privacidade para cogitar sair do anonimato. O estúdio em que trabalhava era conhecido, versava alunos de todas as idades nos mais diversos tipos de música e dança, além de ter um programa especial voltado para a preservação dos estilos clássicos. Eles haviam perdido o professor de cítara, Wangji estava disponível e era mais que capaz.

Simples.

Já trabalhava lá há quase dez anos e não tinha do que reclamar. A profissão lhe permitia várias liberdades que o mercado de trabalho geralmente não concedia: podia programar seus horários com uma certa autonomia, tinha uma rotina cômoda, independência financeira suficiente para viver com conforto e ninguém ligava para sua aparência, além do incentivo para continuar estudando. Com empenho e competência, conquistou o respeito dos seus colegas de trabalho e o carinho dos seus alunos. Apesar da sua absoluta falta de jeito para lidar com pessoas e iniciar conversas, Wangji havia se dado bem em Yiling e hoje era alguém relativamente sociável. Ainda conservava suas ressalvas sobre intimidade e confiança, mas já era alguma coisa.

Wangji estava satisfeito com a própria vida.

Atribuía boa parte do seu sucesso ao próprio esforço, que não havia sido pouco e envolvia muito mais do que apenas concluir um curso e iniciar o próximo, mas também reconhecia que havia dado muita sorte em conseguir aquele emprego.

— Professor?

A voz de Sizhui pareceu distante e distorcida diante da atenção dispersa de Wangji. Ele se virou na cadeira, encontrando o garoto com um maço modesto de papeis estendidos em sua direção.

— Muito obrigado. — Recolheu os trabalhos nas mãos dele e acenou em agradecimento, dispensando-o para voltar ao seu lugar.

Sizhui era um bom garoto e um bom aluno, o melhor da sua turma, na verdade. Ele ainda tinha muito o que aprimorar na sua técnica, claro, mas era jovem e muito aplicado, seria um excelente músico um dia. Wangji colocou os trabalhos num envelope dentro de sua pasta para não esquecer de leva-los para casa. Era sexta-feira e teria que corrigir tudo no fim de semana, mas não conseguia nem pensar nisso. Depois, quando estivesse em melhores condições, daria conta das suas responsabilidades.

Presença - WangxianOnde histórias criam vida. Descubra agora