Quando um sentimento é dado como morto.

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Ele era um pequeno pássaro que estava adormecido em uma gaiola aberta no meio da floresta fechada, por muitos anos eu olhei para ele pelas manhãs de todas as estações, toquei-lhe sempre bem de leve, mas ele nunca despertou com o meu tocar, eu não podia o empurrar para a floresta, ele parecia tão indefeso.
Eu o colocava em minha mão esquerda e com a direita acariciava a sua cabeça numa pequena fresta de sol, eu sempre disse para ele: a gaiola está aberta, vamos, saia daí!
Vá ver a vida lá fora e depois volte para me dizer como é.
Ele nunca me respondia...

Deitada ao lado daquela gaiola que afundava aos poucos na ramagem da floresta, eu o protegi das formigas e dos insetos, da chuva, dos raios fortes do sol, cantei canções, escrevi poesias, fiz um ninho pra ele e um para mim. Quando percebi já estava apaixonada por aquele pequenino.

_ Psiu, a gaiola está aberta, a gaiola está aberta!

Ele era meu e eu era dele, e tudo fazia sentido. Era a nossa floresta, o nosso chão de terra e folhas amassadas, as arvores como nossas paredes, o céu como nosso teto.
Havia um riacho ao lado onde eu ia buscar água para nós. Ele não precisava me responder para que eu soubesse que ele me ouvia, ele não precisava abrir os olhos para que eu soubesse que ele me reconheceria em qualquer lugar do universo.
Ele não precisava bater as asas para ser considerado útil. Ele estava ali e isso era suficiente.

_ Me escute, pequenino! A gaiola está aberta, está aberta.

Certo dia, fui arremessada pelo vento para uma outra parte da floresta enquanto eu dormia, depois do arremesso inesperado senti dificuldades para levantar, abri os olhos e meu corpo doía muito, a vida tem desses ventos ímpetos para nos afastar das coisas que nos fazem bem. Percebi que o pequeno pássaro havia sido tomado de mim por aquele acidente, fiquei deitada por muito tempo, tomada pelo desgosto de ver aquela gaiola vazia.

_ Passarinho, passarinho?

Não me interessava olhar para a luz do sol que entrava por entre os galhos das árvores como se estivesse rasgando o véu triste daquele lugar, fechei as janelas de folhas e gritei para o vento: não toque em mim, não toque em mim!

_ Onde, onde está o meu passarinho?

Esperei que ele voltasse, que lembrasse do amor que lhe dei, do coração em meu peito que já nem era meu, senão dele.

Quebrada em mil pedaços, jogada naquele solo úmido pude ver passar as quatro estações de alguns anos mais. Repetidamente, perguntei para cada uma delas:

_ Querida estação, você viu um pequeno passarinho?

_ Há muitos passarinhos, há muitos passarinhos me diziam as estações!

_ Mas o meu é pequeninho, ele não sabe voar sozinho.

_ Há muitos passarinhos, há muitos passarinhos me diziam as estações!

Me pergunto, quem ensinou as estações a fazerem repetições?

Uma dor estava atravessada em minha garganta, chorava gritando noite e dia, comida e água não desciam.
Dia e noite eu gritava como louca:
Vejam, vejam isso! _ A gaiola está aberta e vazia!

Levantei cambaleando, perguntei para os bichos, para cada árvore e erva daninha, abri a boca das feras para ver se encontrava provas de um crime, procurei penas azuis ou penas amarelas.
Nada, nada encontrava!

Ordenei para a noite que ela fosse embora por vários dias, controlei com o meu olhar de dor as folhas que no ar caíam, sujeitei as feras ao meu governo, cacei feito os leões das savanas africanas, proibi o cantar de outras espécies, o rastejar, o bater das asas e o assoviar.

Quando já estava sem forças, desejei me tornar parte do solo assim como as folhas secas do verão que foram apodrecidas pela umidade da estação mais fria, preparei-me para morrer, me arrastei até chegar perto das flores vermelhas que sempre estava naquela parte como se fossem as donas do lugar, nem os bichos rastejantes lhes tocavam, nem as mariposas os pássaros e as feras.

Elas estavam sempre perfeitas, esbanjando beleza e vaidade, eu só queria pintar os lábios para que a morte não tivesse dó da minha palidez, comi as flores o quanto pude, mantive meu corpo despido para que a morte soubesse que nunca me importei com coisas materiais; nua cheguei, nua voltarei, foi isso que pensei.

Minha tristeza esparramada como ramos que controlavam as florestas num espírito de tremenda agonia. _ Passarinho bonitinho, a gaiola ainda está aberta, cadê você?

Quando tomada por uma força imobilizadora que nem mesmo os meus olhos podiam piscar, então decidi não relutar, apesar de que esse corpo rebatia. Minh' alma de mim saía, e quanto mais ela subia, tudo embaixo perdia o valor, as minhas manhãs de alegria, a dor que eu sentia, a minha luta, minha busca, as feras grandes que me olhavam agonizar.
Eu desci para subir, foi esse o impacto que senti enquanto a vida ia saindo de mim.
_ Passarinho lindo, meu amor_você passou por aqui? Você viu essas pequenas valas que estão abertas até ao centro da terra?
São tão escuras, mas eu já não sinto medo. Você mapeou nosso caminho para o paraíso, agora há uma pena azul vindo na direção do meu rosto, mas e essas penas vermelhas são suas?
_ Oh, você também comeu das flores vaidosas?
_Eu também não sabia, meu amor... Não sabia que elas nos trariam aqui.

_ A gaiola ficou aberta, passarinho.

Renata Farias

Gaiola AbertaOnde histórias criam vida. Descubra agora