Carta de Amor

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Era década de 90. O grunge já havia morrido, mas ainda tocava nas rádios (radio rock?) e fazia a garotada andar em seus "allstares" sujos e camisas listradas, daquelas de festa junina. Era época do Playstation, do plano real, do Fernando Henrique, da Sandy e Junior. Carlinhos era um adolescente normal da quebrada, mas não tão normal assim. Morava em um conjunto habitacional, que parecia muito com os do projeto CDHU/COHAB, mas não era. O apelido carinhoso que os jovens davam para o conjunto habitacional era "predinhos". Ele ficava na frente de uma avenida movimentada, e ao lado de um morro, com várias casinhas de alvenaria e bloco sem reboque. As vezes parecia que as casas do morro iriam desabar para dentro dos predinhos. Dava até para dar "tchauzinho" para as pessoas do morro, se você morasse em um apartamento com janela pra lá, igual ao do Carlinhos. Mais tarde, depois de velho, Carlinhos iria sonhar várias vezes com a avenida movimentada, mas nunca com o morro.

Era uma época de descobertas para o jovem Carlinhos, e uma das maiores (e piores) descobertas foi justamente o amor. A primeira grande paixão de Carlinhos foi uma menina loira da classe dele. Todos os seus amiguinhos falavam mal da menina – que ela era briguenta, encrenqueira, nervosa, tudo o que uma menina não podia ser. Mas Carlinhos estava certo de que existia algo de bom na garota, algo que as outras pessoas não podiam ver. O nome dela era Amanda. Um vez, o menino, ao invés de prestar atenção a aula, se pegou escrevendo uma espécie de ode à sua musa. Ele ressaltava os cabelos loiros da menina (algo que aprendeu a valorizar com os filmes americanos) e escrevia seus sentimentos como se estivesse cantando uma música do Skank. Obviamente seus coleguinhas conseguiram pôr as mãos no papel e não perdoaram o garoto. De alguma forma, nossa sociedade festiva e extrovertida gosta de punir os meninos e meninas tímidos e retraídos. Esse era outra grande lição que Carlinhos iria aprender (mais tarde os processos seletivos de emprego apenas ratificariam isso). Pois bem, naquela tarde (ele estudava durante o período da tarde, em uma escola pública no alto do morro que ficava ao lado dos predinhos) os meninos leram em voz alta, no meio da aula, as lamurias de amor do jovem. Foi horrível e humilhante, tanto para ele, quanto para Amanda, que não sabia da história (e nem se interessava por saber). Além das piadas e risos, Carlinhos teve que sofrer uma tremenda represaria da menina, que nunca mais queria saber de ouvir seu nome de novo. Normalmente é assim a primeira experiência amorosa dos garotos tímidos.

- Nunca mais me apaixono por ninguém – Balbuciava Carlinhos, enquanto voltava para casa, chutando as pedras do caminho de terra batido. E foi assim que ele voltou para casa naquele dia: de cabeça baixa, passos lerdos, sobre o céu rosado e avermelhado do fim da tarde.

Alguns poucos anos se passaram, e aquela promessa que o Carlinhos fez, de não se apaixonar mais por ninguém, foi quebrada.

- Quem é aquela menina? – Perguntou Carlinhos para seu amigo, Pedro.

- Ela é irmã do Juninho. Eles se mudaram faz alguns dias só.

- Ela é bonita né? Sabe o nome dela?

- Eu acho que é Natália.

Natália era sim uma menina bonita. Cabelos castanhos, não muito alta nem muito baixa. Magra, rosto delicado, cara de menina de seriado adolescente americano. Era o tipo de menina por quem os tímidos costumavam se apaixonar. E era o tipo de menina que nunca se apaixonaria por eles.

A garota se aproximou da quadra de esportes (ponto de encontro da molecada dos predinhos) e Carlinhos tomou coragem e foi ao seu encontro.

- Oi, meu nome é Carlos – Disse ele, visivelmente nervoso.

A moça não respondeu. Na verdade ela fez um barulho estranho, uma espécie de balbucio. Olhou bem séria para ele e seguiu andando para outro lugar.

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